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quinta-feira, 23 de julho de 2015

Casos de doença rara e paralisante se espalham pelo Nordeste


Devagar no passo, o motorista Benedito Cardoso, 47, já voltou a caminhar pelas ruas de Valença, cidade do litoral sul da Bahia. Com esforço, vai de casa até a padaria. Uma vitória para quem entre abril e maio deste ano passou 20 dias internado sem andar nem falar, com o corpo completamente paralisado.

Benedito foi um dos 50 casos confirmados da síndrome Guillain-Barré na Bahia em 2015 - doença que costuma ser rara, com média de um caso a cada 100 mil habitantes, mas cujas notificações espalharam-se por parte do Nordeste neste primeiro semestre.

Além das notificações confirmadas na Bahia, foram constatados 14 casos no Maranhão e seis na Paraíba.

O avanço da doença tem sido associado a casos de dengue, chikungunya e de uma doença exantemática (com lesões na pele) que em alguns casos foi identificada como zika vírus.

Dos 50 pacientes que tiveram a doença confirmada na Bahia, 48 tinham histórico recente de
suspeita de zika vírus.

"Pelo que temos acompanhado, as pessoas que tiveram a síndrome tiveram doenças virais num curto espaço de tempo", explica o médico infectologista Roberto Badaró, subsecretário de Saúde da Bahia.

Contudo, segundo o Ministério da Saúde, ainda não há nenhuma comprovação científica da relação entre a síndrome Guillain-Barré e as três doenças que têm como vetor o mosquito Aedes aegypti.

Só na Bahia, foram registrados 45 mil casos suspeitos de dengue, 32 mil de zika vírus e 8.000 de chikungunya. Segundo Badaró, o quadro é de "tríplice epidemia".

Paralisia e dormência
Doença imunológica desencadeada por infecções causadas por bactérias ou vírus, a síndrome Guillain-Barré tem impacto no sistema neurológico causando fraqueza e dormência no corpo, sobretudo nas pernas.

Em casos mais graves -cerca de 10% do total- pode paralisar a musculatura respiratória, demandando o auxílio de ventilação mecânica para a respiração. Caso não seja dado esse suporte, o paciente pode morrer asfixiado.

O baiano Benedito Cardoso começou a sentir dormência nos pés quando voltava de uma viagem a Salvador. "Senti meus pés como se estivessem molhados e cada passo que eu dava era como um pequeno choque", lembra.

Dias depois foi a um posto de saúde e a doença acabou sendo diagnosticada erroneamente como Acidente Vascular Cerebral (AVC).

Após mais de uma semana internado, foi transferido para a Salvador com a ajuda financeira de amigos e vizinhos. Na capital baiana, veio a confirmação da síndrome Guillain-Barré.

No auge da doença, perdeu a capacidade de falar pela paralisia nos músculos da face e teve que ser alimentado por sonda. Ficou deprimido e tinha crises de choro diárias.

"Hoje posso dizer que nasci duas vezes. Ficar em pé novamente foi uma das maiores emoções que tive na vida", conta.

Em tratamento com fisioterapeuta e fonoaudiólogo, ainda tem dificuldade em falar, andar e até em dormir, já que o olho direito reluta em fechar.

Enfrentamento à doença é desafio
Diretora do Hospital Estadual Couto Maia, referência em infectologia na Bahia, a médica Ceuci Nunes diz que o enfrentamento à doença tem sido um desafio.

Na literatura médica, só há um relato de aumento de casos da Síndrome Guillain-Barré durante uma epidemia de zika vírus, que aconteceu na Polinésia Francesa.

Segundo a médica, contudo, não há motivo para pânico: "Apesar de ser uma doença com potencial de gravidade, atinge um percentual ainda pequeno na população", afirma.

Ela também informa que os pacientes têm reagido bem ao tratamento, a base de um medicamento venoso chamado imunoglobulina. Mas ainda não há um quadro claro sobre possíveis sequelas ou reincidência nos pacientes, já que os casos são recentes. Em casos mais agudos da doença, os pacientes chegam a ficar anos sem andar.

No Brasil, a doença ficou conhecida após ter acometido a cientista política e comentarista Lucia Hippolito em 2012, após uma viagem à França.

Em entrevista ao "Programa do Jô" em setembro do ano passado, Lucia, que ainda tem dificuldades de locomoção, contou que ficou internada por um ano e meio e classificou a síndrome como "doença infernal".

Diário do Nordeste