Hoje, uma das principais ameaças à segurança pública nacional é o crime organizado. Presente no tráfico de drogas, no tráfico de pessoas, assaltos a bancos e clonagens de cartão de crédito, entre outros, são quadrilhas constituídas dos mais poderosos equipamentos de armas e munições. A disputa pelo tráfico, nas comunidades, desperta a insegurança da população, que paralelamente a isso, convive ainda com a escassez de investimentos em educação e lazer, quando ocorre o desvio de verbas que deveriam ser destinadas a projetos e bem-estar da sociedade.
Em todo o Brasil, o Ministério Público Federal (MPF) tem levantado campanha para recolher assinaturas de brasileiros que sofrem com os descasos provocados pela corrupção e o crime organizado. O objetivo é pressionar o Congresso Nacional a aprovar projeto de lei de iniciativa popular que contém dez medidas contra a corrupção. No Ceará, a proposta tem ganhado o apoio, inclusive, de igrejas e tem à frente o novo procurador-chefe do Ministério Público Federal no Ceará (MPF/CE), Samuel Arruda, que assumiu cargo em outubro do ano passado.
Ao Direito & Justiça, além de comentar sobre as medidas que ele ressalta serem necessárias para vencer a criminalidade, Samuel Arruda afirma que, no Ceará, as quadrilhas estão cada vez mais organizadas e sofisticadas. O procurador ressalta que as instituições que trabalham contra a criminalidade precisam adotar medidas legislativas e estruturais eficazes, de modo a serem mais organizadas que as próprias organizações.
Direito & Justiça – Onde o crime organizado está mais presente no Ceará?
Samuel Arruda – No Ceará, temos bandos de traficantes com bastante envergadura, esse é um nicho de atuação que vemos muito claramente. O tráfico de drogas cresceu muito nos últimos anos e é uma atividade criminosa que já tem uma envergadura enorme e, aqui, atingiu um grau de organização muito grande. Traficantes, que antes tinham uma localização restrita, hoje, já têm conexões internacionais. Temos o crime organizado presente nos crimes patrimoniais, existem quadrilhas muito sofisticadas, de muita atuação em, por exemplo, clonagem de cartão de crédito. O Ceará, infelizmente, é um dos estados em que isso ocorre de forma mais contundente, inclusive, com sofisticação.
As quadrilhas no Ceará são muito avançadas no ponto de vista tecnológico. Mas, também, existem outras como as quadrilhas que assaltam bancos, que a gente vê que é uma atividade recorrente que adotam o mesmo modus operandi, são pessoas que se reúnem com estabilidade para cometer esses crimes não só no Ceará; ora atuam aqui, ora atuam em outros estados do Nordeste. Há também na lavagem de ativos, fato que criou a via estadual de combate ao crime organizado, que foi um atentado a um auditor da Receita Federal, cujo foco era o descaminho de comércio de mercadorias importadas ilegalmente. São várias vertentes no Brasil todo, não só no Ceará.
Direito & Justiça – O Estado do Ceará já é rota de tráfico internacional, principalmente de drogas, fica mais difícil ou mais fácil de desarticular essas quadrilhas?
Samuel Arruda – Essas quadrilhas, quando se organizam e adquirem esse poder de fogo, se tornam mais difíceis de serem desarticuladas. Não diria que o fato de o Ceará estar na rota do tráfico torna mais difícil o que torna mais difícil é que, hoje, são quadrilhas com mais potencial. Angariam muito mais recursos e têm um poder corruptor enorme. Enfim, se tornam mais sólidas e fica mais difícil, até porque têm ramificações em vários estados, e às vezes até em vários países.
Direito & Justiça – Inclusive essa disputa pelo tráfico, atualmente, está refletindo na insegurança da população.
Samuel Arruda – Sim, é o grande problema desses números péssimos que nós temos de homicídios, que talvez seja o problema que nos incomoda mais: não termos segurança, que é a face mais visível. A maior parte desses homicídios está relacionada à disputa pelo controle do tráfico de drogas dentro de algumas comunidades, e, às vezes, à cobrança de dívidas relacionadas ao tráfico. Isso tem um impacto direto no dia a dia da população, mas, enfim, é uma demonstração de que essa criminalidade aumentou e tem que ser enfrentada na sua raiz. É impossível mudar esse quadro sem desarticular essas quadrilhas.
Direito & Justiça – Quais têm sido, então, as ações do Ministério Público Federal no trabalho de combate ao crime organizado?
Samuel Arruda – O Ministério Público tem tido um papel decisivo, eu diria que não tem atividade mais organizada do que à corrupção, e o MPF tem tido um foco no combate a corrupção, sobretudo, de 2014 para 2015 ficou bem visível com a Operação Lava Jato, e, em outras vertentes, do crime organizado: o tráfico de drogas e a lavagem de ativos ou o próprio descaminho. Nós temos atuado de forma incessante junto com a Polícia Federal no combate a isso. Acho que os resultados estão sendo bastante emblemáticos, no campo de combate à corrupção e no ponto de vista nacional.
Direito & Justiça – O MPF vem realizando campanha, em todo o Brasil, pedindo apoio da sociedade pela assinatura de projeto de lei de iniciativa popular que propõe dez medidas contra a corrupção. Como está sendo a adesão, sobretudo no Ceará? Está tendo o resultado esperado?
Samuel Arruda – Estamos tendo uma boa campanha, o resultado está surpreendendo, e para além da mera adesão com a assinatura, é preciso que a sociedade entenda que são medidas necessárias e compreenda para que, de certa maneira, pressione o Congresso Nacional a aprová-las. São medidas necessárias não somente ao combate à corrupção como ao crime organizado, que visam dar eficiência aos processos penais, evitar a prescrição dos processos, a morosidade da Justiça, a procrastinação da aplicação das penas. São imprescindíveis e sem as quais a gente não vai conseguir efetivamente vencer esse grande mal que é o crime organizado e corrupção.
Direito & Justiça – A campanha continua?
Samuel Arruda – Continua, já ganhou aderência de igrejas católicas e evangélicas, tivemos uma adesão enorme em todos os ângulos.
Direito & Justiça – Samuel, é importante a sociedade sentir a independência do Ministério Público e ter segurança no órgão?
Samuel Arruda – Sim. Acho que a sociedade, de uma maneira geral, já está bem esclarecida quanto a isso. O MPF tem munido, nos últimos anos, uma postura de muita independência em relação aos demais poderes, e a sociedade percebe que as ingerências são inaceitáveis, e não tem surtido efeito qualquer tipo de ingerência na atividade do Ministério Público. Essa já é uma percepção bastante disseminada na sociedade.
Direito & Justiça – Para vocês, que trabalham na linha de frente contra essas organizações criminosas, como é conviver com a insegurança e pressão por parte dos envolvidos nas quadrilhas?
Samuel Arruda – É um ônus de nossa atuação. A gente trabalha no combate ao crime organizado há mais de 20 anos e é inerente à função, mas o importante é que esses grupos tenham a ideia que nós estamos agindo de forma institucional. Não é uma percepção pessoal, de um procurador, um promotor, mas é toda uma instituição. A atuação do procurador que aparece na mídia é, na verdade, apoiada pela instituição que tem por trás dele, não adianta remover aquele procurador de alguma maneira que vai vir outro e a instituição vai continuar fazendo aquele trabalho, porque as instituições são bem mais fortes que as pessoas. Quando a decepção se torna , é o que mais reforça a segurança das pessoas.
Direito & Justiça – Qual a importância de discutir, com sociedade civil e população, essas ações e o papel, não só do Ministério Público, mas de outros órgãos engajados contra o crime organizado?
Samuel Arruda – Isso é importante porque é um marco. A gente tem que parar para pensar e raciocinar e visualizar quais medidas podemos adotar para refinar o combate à corrupção e o crime organizado, que são formas de criminalidade que não podem ser combatidos de maneira desorganizada. Se o crime é organizado, nós [MPF] também temos que ser. Então, temos que refletir e pensar quais as medidas legislativas e estruturais que precisamos para adotar as eficácias primárias.
Dez medidas
Quais as dez propostas do MPF para o combate à corrupção?
• Criminalização de enriquecimento do ilícito de agentes públicos;
• Prevenção à corrupção, transparência e proteção à fonte de informação;
• Responsabilização dos partidos políticos e criminalização do caixa 2;
• Aumento das penas e crime hediondo para corrupção de altos valores;
• Reforma do sistema de prescrição penal;
• Celeridade nas ações de improbidade administrativa;
• Eficiência dos recursos no processo penal;
• Ajustes nas nulidades penais;
• Prisão preventiva para assegurar a devolução do dinheiro desviado;
• Recuperação do lucro derivado do crime.
O Estado