Thiffany Braga passou 31 dias em coma e tinha apenas 5% de chances de sobreviver, mas passou por oito cirurgias e conseguiu se recuperar
“Hoje eu tenho sede de viver”, é o que repete Thiffany Braga, de 19 anos, sempre que conta para alguém a sua história. De 2018 para cá, a jovem passou 31 dias em coma induzido e encarou oito cirurgias. Seu caso contrariou as estatísticas da equipe médica, que informou a família que ela teria apenas 5% de chance de sobreviver assim que deu entrada no hospital. A estudante, que na época estava com 17 anos e cursava o terceiro ano do Ensino Médio, cometeu um ato de violência contra si mesma, visando interromper a vida. Mas conta que se arrependeu da decisão no mesmo segundo em que ela foi tomada e que lutou bravamente por sua sobrevivência depois.
A seguir, Thiffany detalha seu processo de recuperação e fala sobre o principal pilar que a ajudou a reconstruir sua saúde mental: encontrar um novo sentido para a existência. “Hoje sou uma pessoa muito feliz e penso que ninguém deveria passar pelo que passei”, ela diz.
“Sempre morei com meus pais e meus irmãos. Em 2018, ia para a escola de manhã e de tarde trabalhava como atendente em uma loja de roupas. Costumava sair com meus amigos nos dias livres e gostava de ir para as festas. Mas aos poucos fui passando por transformações e criando opiniões próprias, mais resistentes, sobre os assuntos da sociedade. Existia uma preocupação com o futuro e também uma desesperança quanto ao sentido da vida. Basicamente, comecei a ver o mundo pelo ângulo errado, como se fosse um lugar cruel.
Então vieram os sintomas físicos de toda essa ansiedade. Sempre fui boa aluna, mas passei a ter dificuldade para me concentrar nas aulas. Ia copiar o que estava na lousa e, quando olhava o caderno, as palavras estavam bagunçadas. Não cheguei a ficar de recuperação, mas sentia que prestar atenção demandava muito de mim. Meu sono também foi afetado por tanta aflição: como a minha mente não parava, comecei a não dormir e por isso sentia muitas dores nas costas”.
Emissão de sinais
“Como a maior parte das pessoas que pensa em interromper a vida, dei muitos sinais. Sempre fui extrovertida, mas comecei a me isolar. Fui saindo dos grupos de amigos e me afastando das pessoas. Cheguei a dizer na mesa do bar, com todas as letras, que não queria mais viver. Esse assunto foi se tornando mais recorrente”.
Os dias em coma
“Quando tudo aconteceu, meu primeiro sentimento foi de arrependimento. Na mesma hora, senti que tinha feito algo que não poderia ser revertido e meu coração sofreu porque tomei consciência de que poderia ter lidado com tudo de forma diferente. Acredito que esta sensação seja comum a todos que passaram por uma situação como do tipo: depois de cometer o ato, a consciência se expande e você entende a gravidade do que acabou de fazer.
Não estava sozinha no momento: fui socorrida, mas me lembro de ter sentido muita dor e perdido a consciência logo em seguida. Foi então que, fiquei sabendo mais tarde, fui levada ao hospital e, em seguida, transferida para outro local, em Brasília. Lá, informaram aos meus parentes que tinha apenas 5% de chances de sobreviver.
Um dia depois, passei pela minhas primeiras operações: uma para retirar os ossos da lateral da cabeça, que foi a região afetada, outra para que os médicos colocassem em mim uma traqueostomia. Por fim, passei 31 dias em coma induzido, até que consideraram seguro que eu despertasse. Quase não me lembro dos primeiros dias, mas sei que chorava muito e ainda não conseguia lembrar o que tinha feito. Tudo parecia uma espécie de sonho, distante”.
Uma publicação compartilhada por Thiffany Braga (@thiffanybraga) em 12 de Set, 2018 às 4:51 PDT
“Então, acordada, fui transferida para a enfermaria. Tive dias de muita febre e os médicos desconfiaram que pudesse ser alguma infecção, mas na verdade acredito que era meu corpo religando os neurônios e se aperfeiçoando para que eu pudesse resistir ao que passei. O corpo humano é simplesmente incrível. Lá, devido a minha curiosidade, uma psicóloga veio me contar, junto da minha mãe, sobre o que tinha acontecido. As memórias do dia foram voltando aos poucos, mas não faço questão de me lembrar dos detalhes.
Tive que me acostumar com a minha nova versão: não podia mover os braços, me levantar para tomar um banho ou ir ao banheiro e nem falar. Chorava constantemente, sussurrando que meu sonho era passar um dia sem dor. Mas foi nesse período também em que passei pela minha maior transformação. Presenciei o esforço e o carinho da equipe responsável pelos meus cuidados. Uma dia, minha mãe estava chorando muito e um enfermeiro veio abraçá-la. Vi a bondade genuína das pessoas e como muitas delas praticavam atos de amor sem esperar nada em troca. Resgatei o sentido de viver”.
“Mal pude acreditar quando tive alta, mas sabia que o meu processo ainda não havia encerrado. Contei com a ajuda de um fisioterapeuta particular para minha reabilitação: era muito duro para mim fazer os movimentos, mas a melhora era inquestionável. Nunca vou me esquecer da primeira vez em que consegui sentar na cama. Aos poucos fui recuperando boa parte deles e, com aproximadamente seis meses, consegui sair da cadeira de rodas.
Mais uma vez tive a confirmação de que o mundo estava repleto de pessoas dispostas a ajudar, já que minha mãe teve que se adaptar aos cuidados comigo e nossa vizinha se dispôs a nos ajudar. Era surreal a dedicação dela, só por amor. Meu coração foi ficando quentinho. Então passei a frequentar um hospital de apoio e minha recuperação se acelerou”.
Em três meses, seis cirurgias
“Perto do Carnaval deste ano, fui chamada para fazer as próximas cirurgias. Primeiro, foi colocado em mim um tubo em formato de T no lugar onde estava a traqueostomia, que permitia que minha voz saísse. Até este momento, eu mais sussurrava e fazia mímicas do que efetivamente falava. Depois, foram realizadas mais duas: uma para preencher novamente a cabeça, outra para recolocar a traqueostomia. Infelizmente, não deu certo com o tubo T e precisei voltar ao estágio anterior.
Conforme as semanas foram passando, comecei a ter problemas com a traqueostomia, devido a maneira como meu pescoço cicatrizava: minha traqueia começou a fechar e precisei realizar mais uma cirurgia para dilatá-la. Ao voltar para casa, o problema da falta de ar persistiu e me submeti a outra operação para a retirada da traqueostomia. Por fim, no dia seguinte ao meu aniversário de 19 anos, aconteceu a oitava e última cirurgia, uma espécie de plástica para retirar a parte doente e deixar somente a saudável da região do pescoço. A recuperação foi a pior parte, pois passei uma semana sem poder levantar o queixo. Mas, desde então, reconquistei a minha liberdade”.
“Em casa, procuro andar livremente, mas na rua ainda preciso do andador. Como sequela, fiquei com falta de equilíbrio e de coordenação motora, o que já me causou dois tombos, mas tenho fé de que tudo isso vai melhorar com o tempo.
Durante todo o processo, o meu maior aprendizado foi com relação ao sentido da vida. Ele consiste na coisa mais simples do mundo, que é aproveitá-la o máximo que puder. O tempo é muito passageiro, então precisamos fazer o que gostamos, lutar pelo que queremos e amar enquanto podemos. O sentido é viver cada parte. Às vezes queremos agir por impulso, mas é nesse período em que precisamos parar e nos amar mais. Procurar tratamento médico, nos cuidar e nos colocar em primeiro lugar, para voltarmos a dar valor ao que temos.
Hoje penso que teria perdido a minha formatura. Que não veria o meu irmão andar de bicicleta. Hoje tenho sede de viver, de ser lembrada da melhor forma possível e me considero uma pessoa muito feliz. Nos dias em que passei no hospital, sentia falta até de resolver problemas. O meu convite para quem está diante de uma situação difícil é para mudar o foco: ler, ouvir e assistir histórias de vida inspiradoras e prestar mais atenção nas razões para acreditar que o mundo é um lugar bom. Ninguém deveria tentar tirar a vida, nem passar pelo que eu passei”.
Fonte: Uol