A Casa Rachel de Queiroz é um dos patrimônios culturais da cidade, mas carece de um trabalho amplo de preservação. No imóvel localizado na rua Antônio Ivo, no Henrique Jorge, a autora cearense morou, escreveu o clássico "O Quinze" (1930), casou com José Auto e chegou a perder entes queridos, como a filha Clotilde e um tio. Ainda rodeada pelos quatro pés de ficus benjamin, a casa do Sítio Pici está em estado precário de conservação mesmo depois do tombamento municipal, em outubro de 2009.
Atualmente, duas famílias moram lá por meio de contrato de comodato com a imobiliária Nascimento Jucá, proprietária do imóvel. "Meu tio trabalhava com o dono, que nos deixou viver aqui, isso em 1979. Pagamos luz e água, mas não mudou muita coisa desde que foi tombada", relata um dos moradores, Raimundo Nonato Oliveira, 59 anos.
Antes vizinhas, as famílias acabaram estabelecendo laço sanguíneo, como explicou a estudante de Direito, Patrícia Oliveira, 22 anos, sobrinha de Nonato. “Minha mãe conheceu meu pai porque ele era da família ao lado, então meio que virou uma família só. Quando soubemos do tombamento começamos a ter mais cuidado, mas a gente é leigo, não sabe muito bem como ficou o processo para transformar a casa em algo", cita.
Em 2006, quando estava em processo o decreto de tombamento, havia a proposta de que a casa fosse desapropriada e o local virasse uma biblioteca, com base em estudos do Departamento do Patrimônio Histórico Cultural da Fundação de Cultura, Esporte e Turismo (Funcet) - que deu origem à Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor) e virou Fundação de Cultura, Esporte e Turismo.
Patrícia diz que nos últimos seis anos após o decreto 12.582/2009 ter sido oficializado, as famílias não receberam visitas e nem foram orientadas sobre qualquer cuidado especial com o imóvel. “Na época veio gente da Prefeitura para tirar fotos de dentro e de fora, sabemos de iniciativas de compra do imóvel pelos outros. O que também nos deixa apreensivos, porque minha família mora aqui há mais de 30 anos, tem toda uma história, eu nasci aqui, meus pais casaram aqui", indica.
Memória
A escritora cearense chegou ao Sítio Pici em 1927 e desenhou a nova casa com o pai, lembra a jornalista e escritora Socorro Acioli, 40 anos, autora do livro ''Rachel de Queiroz'' (2007), da Fundação Demócrito Rocha. "Existia uma casinha lá que foi derrubada para a construção dessa. A planta foi feita pela Rachel do jeito como ela sonhou. É uma patrimônio de imensa importância para cidade, dá muita pena que esteja abandonada".
Sâmia de Oliveira, professora de educação infantil e mãe de Patrícia, também lamenta o
estado de conservação de sua casa. "A gente fez reparos por conta própria, mas também não pode mudar e descaracterizar. Eu não tenho condições de sair para outro lugar, muito menos de ajeitar um patrimônio desses", avalia.
Os reparos básicos do imóvel, necessários para a moradia da família de Patrícia, também são problemáticos. "A gente não acha pedreiro que saiba mexer na estrutura sem alterar, quando chove tem infiltração porque as telhas estão velhas. Temos vontade que virasse algo cultural, aberto ao público, mas também comprar uma casa é uma dificulade para nós", emenda Patrícia.
Um dos coordenadores do Movimento Pró-Parque Rachel de Queiroz, Agnaldo Aguiar, acredita que a localização do imóvel, em uma parte esquecida da cidade, contribui para o desinteresse do poder público ou da iniciativa privada. "[A casa] poderia ser incorporada como um equipamento de Fortaleza ou até mesmo do shopping, construído recentemente na área”, comenta.
“Eu sempre imaginei aquilo restaurado e transformado num espaço que acolhesse a comunidade, crianças e jovens. A gente viaja e vê tantas casas conservadas, como a de Jorge Amado, Pablo Neruda. Nelas você sente a atmosfera de quem viveu lá”, explica Socorro. A jornalista também afirma que a restauração da casa seria uma oportunidade única da população visitar uma moradia de um escritor cearense, em Fortaleza.
O POVO Online visitou o imóvel na manhã desta terça-feira, 18, e constatou o desgaste de telhas e tijolos da construção. No quintal, as árvores centenárias ficam situadas em descampado de terra batida. A escritora Socorro, que recebeu autorização dos moradores para entrar no local durante sua pesquisa, contou que os armadores das redes, bem como detalhes das janelas, ainda eram originais.
Cidadãs
A doméstica Francisca Alves Soares, 59 anos, nunca entrou na casa onde viveu a escritora Rachel, mas arrisca ideia para o imóvel. “Acho que devia ser um museu. Agora tá abandonada, e o pessoal que mora lá também não tem condição de fazer todos os reparos”. A doméstica aposentada Maria Ester Cunha dos Anjos, 70, que caminhava com Francisca, concorda com o restauro proposto pela amiga. “Eu sabia que a Rachel morava aí, mas também não sei muito sobre ela, se tivesse alguém para contar, né. Eu passo todo dia aqui, seria uma boa”, diz.
Patrimônio
Segundo o site da Secultfor, tombamento é “um ato administrativo realizado pelo Poder Público com o objetivo de preservar, por intermédio da aplicação de legislação específica, bens de valor histórico, cultural, arquitetônico, ambiental e, também, de valor afetivo para a população, evitando que venham a ser destruídos ou descaracterizados".
Na página da secretaria também consta que a Casa Rachel de Queiroz é "como um livro sem censura que deve ser lido, com certeza, admirado, soletrado, apalpado e guardado, melhor, preservado como elemento de materialidade para o patrimônio histórico e cultural da nossa cidade".
A Secultfor informou que, no momento, não há projeto para desapropriação ou restauro da casa. As chamadas para a construtora Nascimento Jucá não foram atendidas durante toda a manhã e início da tarde.
O Povo Online