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segunda-feira, 22 de junho de 2015

56 milhões de brasileiros estão com contas atrasadas

Institutos que acompanham índices de indadimplência preveem que calote crescerá este ano

Inflação corroendo a renda da população, juros nas alturas aumentando as despesas financeiras de quem tem dívidas e desemprego ganhando fôlego são os motores de um novo ciclo de inadimplência que se espalha pela economia brasileira. O quadro é de aceleração nos índices de calote ao longo do ano, sem que haja no horizonte uma perspectiva de mudança nessa tendência, dizem economistas ouvidos pelo GLOBO. Pelo menos quatro instituições que acompanham com lupa os índices de inadimplência (Serasa Experian, SPC Brasil, SCPC Boa Vista e Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo e Mercado de Consumo - Ibevar) projetam crescimento das dívidas em atraso.
— Não há no horizonte perspectiva de se reverter o aumento da inadimplência até o fim deste ano. Até lá, ela só deve aumentar, já que a perspectiva é de elevação de juros e inflação ainda alta — diz o economista Luiz Rabi, da Serasa Experian.
Pelas contas do SPC Brasil, único dos institutos que calcula o número absoluto de inadimplentes, no fim de maio havia nada menos que 56,5 milhões de CPFs negativados no país. Significa que, de cada dez brasileiros, quatro têm alguma conta pendente. O SPC Brasil considera a inadimplência a partir do primeiro dia de atraso.

SÓ EM MAIO, MAIS 2 MILHÕES DE DEVEDORES
De acordo com o instituto, a alta da inadimplência em maio foi a maior desde agosto de 2014: o número de consumidores com contas atrasadas subiu 4,79% em relação ao mesmo mês do ano passado. O movimento foi puxado pelos devedores que têm entre 90 e 181 dias de atraso, o que indica que eles contraíram essas dívidas no Natal e no início de 2015. De lá até agora, a lista de inadimplentes ganhou mais dois milhões de pessoas. O SPC Brasil não tem uma série histórica, pois os números absolutos começaram a ser computados no fim de 2014.
— É um número elevado de inadimplentes. Nosso levantamento engloba a população com idade entre 18 e 95 anos e inclui de dívidas pequenas ( R$ 20 ou R$ 30, como uma conta de água, por exemplo) a valores mais elevados, como cartão de crédito. Significa que 38,6% da população tem algum tipo de débito atrasado — afirma a economista-chefe do SPC Brasil, Marcela Kawauti.
Ela acredita que o fluxo de inadimplentes deve acelerar nos próximos dois meses e desacelerar um pouco — mas ainda na casa de 3% ou 4% — no segundo semestre:
— Isso por causa da base menor de oferta de crédito e da economia estagnada. Mas a tendência é de alta para o número de inadimplentes este ano.


NÃO É CONSUMO, É CONJUNTURA
Os dados do Banco Central (BC) mostram que a inadimplência de pessoas físicas, considerando recursos livres (exclui crédito imobiliário e rural), estava em 5,3% em abril (última informação disponível). O BC mensura o montantes de dívidas atrasadas em relação ao total de crédito ofertado. Na ponta do lápis, implica dizer que, dos cerca de R$ 800 bilhões em empréstimos tomados pelas famílias nos bancos, ao menos R$ 40 bilhões estão com atraso de mais de 90 dias. O economista Rodrigo Baggi, especialista em crédito da consultoria Tendências, diz que essa parcela deve avançar a 5,7% até dezembro:
— Ainda estamos longe do pico da inadimplência registrado em 2009, ano pós-crise internacional, quando a economia parou e o calote chegou a 7,9%, ou de 2012, quando bateu 7,2%. Mas mesmo assim, a tendência é de alta até o fim do ano.
Quando se abrem os dados do BC, por modalidade de crédito, os números são mais robustos. No rotativo do cartão de crédito, por exemplo, segmento que tem os juros mais altos do mercado (347% ao ano, segundo o BC), a inadimplência acima de 90 dias estava em 34,7% em abril frente aos 32,2% do mesmo mês do ano passado. No cheque especial, com juro anual de 226% ao ano, o calote subiu de 11,9% em abril do ano passado para 13,4% este ano, também considerando o prazo de 90 dias.
É um problema que Adriana Alves dos Santos, de 32 anos, moradora da Zona Leste de São Paulo, conhece de perto. Ela entrou na lista dos inadimplentes depois de se enroscar em dívidas com o cartão de crédito e o cheque especial. No cartão, por causa dos juros altos, R$ 500 se transformam numa dívida de R$ 2,2 mil em um ano. No cheque especial, os mesmos R$ 500 viraram R$ 1,63 mil em 12 meses. Ela usou o dinheiro, atrasou o pagamento por quase cinco anos e hoje tem um papagaio de R$ 10 mil, valor impagável para ela.
— Tinha saído do emprego e acabei usando os limites do cheque especial e o rotativo do cartão. Fiquei inadimplente e agora estou tentando negociar com o banco só o pagamento do principal da dívida — diz ela, que hoje trabalha como atendente de telemarketing, com salário de R$ 1 mil mensais.
Em 2012, lembra Flavio Calife, economista-chefe da Boa Vista Serviço Central de Proteção ao Crédito (SCPC), empresa que oferece entre outros serviços a consulta à situação do CPF dos consumidores, a inadimplência cresceu num cenário diferente. Havia uma superoferta de crédito e as pessoas se endividaram demais. Por exemplo, comprava-se carro em até 60 meses, com taxa zero de juros.
— Foi uma inadimplência decorrente do excesso de consumo. Agora, os bancos ficaram muito mais restritivos e a origem do calote é diferente: a inflação reduz o poder de compra; os juros altos aumentam as despesas financeiras e há o crescimento do desemprego. É uma inadimplência causada pela conjuntura econômica — diz Calife.
O Boa Vista considera inadimplente que tem o CPF negativado na sua base de dados, seja num prazo de dez dias ou por mais de três meses. Contabiliza que as dívidas em atraso cresceram 3,1% entre maio de 2014 e o mesmo mês deste ano. Para Calife, a tendência é de que os atrasos continuem crescendo ao ritmo de 3% ao mês até o fim do ano. Segundo o Boa Vista, há menos gente quitando dívidas. Na comparação com maio do ano passado, o número de consumidores que pagou débitos e saiu a da listas da inadimplência caiu 9,7%.

O Globo