"Vocês começaram bem". Foi assim que o cabo Da Costa, do Ronda do Quarteirão do Eusébio, nos deu as boas-vindas, após chamado de uma ocorrência por lesão corporal. Eu (Lucas Mota) e o repórter fotográfico Fábio Lima participamos - na noite do último dia 25 de novembro - de uma ação com abordagens na região, com policiais da Polícia Militar (PM) e guardas municipais.
Nos encontramos com a equipe na sede da Secretaria de Segurança Pública e Cidadania (SSPC) do Eusébio. Em seguida, já colocamos o colete à prova de bala. Estávamos prontos para participar das abordagens. No momento de partida, eu e Fábio nos separamos. Ele foi na viatura do Ronda, enquanto eu fui junto com os policiais do Policiamento Ostensivo Geral (POG). Ao todo, três viaturas do Ronda, uma do POG, três da Guarda Municipal, um veículo descaracterizado e três motos participaram da ação. A primeira ocorrência iria nos levar até o Urucunema, mas naquela altura, ainda não fazíamos a mínima ideia do que nos esperava.
Entrei na viatura juntamente com três policiais. Tentei quebrar o "gelo" e me apresentei. Mas, o clima era de concentração, e os PMs não quiseram alongar o papo. Meu sentimento, confesso, era de emoção e tensão. Seguimos em alta velocidade. A cada curva nas ruas estreitas e sem asfalto da comunidade Urucunema eu ficava imaginando o que iríamos encontrar. Chegamos a uma área com um terreno aberto e algumas casas ao fundo. Paramos em frente à uma residência. Os moradores informaram que um homem, que dirigia uma ambulância do hospital de Aquiraz tinha efetuado disparos em via pública, por causa de ciúmes da namorada, que estava na região com umas amigas.
Os policiais desceram das viaturas e se reuniram. A equipe decidiu que apenas a viatura do POG prosseguiria na ocorrência, visto que o homem já havia retornado a Aquiraz. Os PMs do Policiamento Ostensivo dariam apoio para a composição no município vizinho. Como a viatura em que eu estava deixaria a saturação, fui deslocado para o veículo do Ronda, o mesmo em que Fábio Lima se encontrava.
A partir desse momento, seguimos toda a ação com o soldado Araújo e o cabo Da Costa. Após o primeiro momento de adrenalina, saímos da comunidade do Urucunema para dar início as abordagens de rotina. Partimos em direção à comunidade do Autódromo. Quando estávamos na avenida Cícero Sá, o soldado Araújo ordenou: "Encosta os três", referindo-se ao trio que trafegava em bicicletas na via. Desci da viatura e acompanhei de perto o trabalho dos policiais e dos guardas municipais. Nada foi encontrado com o trio, e os homens foram liberados.
Ao chegar ao Autódromo, acompanhamos o patrulhamento da Polícia na área. Novamente estávamos em ruas estreitas e sem asfalto. Estava um pouco apreensivo. A presença da composição da Polícia Militar (PM) e da Guarda Municipal era vista com um olhar de estranheza pelos moradores do bairro. Dois jovens de bicicleta despertaram a suspeita da equipe. Mais uma parada para aumentar o clima de tensão. A abordagem foi feita e a dupla liberada.
De lá, seguimos em direção ao Coaçu, passando pelos bairros Guaribas e Tamatanduba. Neste último trecho, participamos da abordagem de cinco homens. "Cadê o documento, gente? Tem que andar com documento no bolso. Documento não pesa no bolso", reclamava o soldado Araújo. Mas o grupo não apresentou nenhuma irregularidade e foi liberado. No trajeto, o vocabulário policial era comum na comunicação pelo rádio com as outras viaturas. "Adianta. Positivo", falava Da Costa. A cada abordagem, percebia que a equipe perguntava se os suspeitos possuíam alguma tatuagem. Segundo Adriana Gonçalves - secretaria do titular da SSPC, Lauro Leite - o procedimento é realizado para identificar os suspeitos que pertencem às gangues.
Após mais uma abordagem no Coaçu, a equipe decidiu finalizar a ação com uma blitz Estrada do Fio. De acordo com o soldado Araújo, o local é uma rota de fuga bastante utilizada pelos bandidos. Cones na pista e operação estabelecida. Pronto, acreditava que ali terminaria nossa participação com os policiais. Mas, quando o clima de tranquilidade começava a dominar, a equipe avistou duas motos fazendo uma conversão para não passar pela blitz. "Rápido, vamos", adiantou Araújo para entrarmos na viatura.
Entrávamos em perseguição. O clima de tensão e adrenalina voltava. Em alta velocidade, a viatura seguia por vias estreitas. "Onde eles dobraram", perguntou o soldado. "À direita", afirmou o cabo Da Costa. Rodamos a área, mas não encontramos a dupla. Após três horas de patrulhamento, retornamos à sede da Secretaria.
Retirei o colete e senti o clima de tensão baixar. O colete apertado, que por alguns momentos me fez prender a respiração, era sinônimo de segurança e risco ao mesmo tempo, já que a utilização dele significava a possibilidade de um eventual confronto. Apesar do pouco tempo em ação com os policiais e guardas municipais, deu para sentir a adrenalina diária que essa equipe sente. A situação de risco constante, atenção redobrada e frieza para encarar o perigo que esses profissionais convivem, não é para qualquer um.
Abordagem policial: eficiência?
Abordagem policial: eficiência?
A ronda no Eusébio ilustra de forma clara como os policiais operam durante as abordagens nas ruas. Mas será que as técnicas utilizadas são eficientes para reduzir a violência nos lugares mais vulneráveis? De acordo com Jania Perla, antropóloga e pesquisadora do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), talvez o método não seja tão eficiente. "Em termos técnicos, eu não tenho propriedade para afirmar nada, mas em termos políticos, acho que abordar pela aparência é complicado. Abordar alguém utilizando como critério faixa etária, tatuagem ou vestimenta é uma forma de criminalização prévia do Estado".
A pesquisadora acredita que a forma de abordagem policial realizada no Eusébio aponta para uma estigmatização que promove uma "sujeição criminal". Ela ainda defende que a abordagem deve ser feita da mesma forma, com todas as pessoas, em todos os pontos da cidade e complementa que "se fosse um método eficiente, as estatísticas de criminalidade não estariam tão elevadas quanto estão".
Geovani Jacó, pesquisador e coordenador do Laboratório de Estudos e Pesquisas sobre Conflitualidade e Violência (Covio/Uece), por sua vez, acredita que existam dois aspectos que devem ser levados em conta na forma comum de abordagem policial. "A polícia tem que estar na rua, próxima das pessoas para prevenir os crimes e proteger os cidadãos. Esta aproximação tem que estar de acordo com o estado democrático de direito e a própria proteção que a polícia dá aos indivíduos já é a expressão deste estado democrático de direito.
A segunda questão é a forma como a polícia atua para garantir essa proteção. Quando a gente percebe que no próprio fazer policial das ruas estão incorporados estigmas, distinções construídas pelo senso comum, estereótipos definidos muitas vezes pela cor, pela indumentária ou pela idade, isso então revela o desrespeito ao estado democrático de direito". Geovani também enfatiza que a abordagem baseada na aparência pode contribuir para reproduzir preconceitos. "Nem todo jovem que pertence a tribos, a galeras ou que possui linguagem estética distinta da dominante é bandido, embora seja tratado como suspeito", complementou.
Fonte: O Povo