"Todas as ciências progrediram, menos a de governar, que não avançou, sendo hoje exercida apenas um pouquinho melhor do que há 4.000 anos".
Concorde-se ou não com a moldura expressiva, o fato é que multiplicam-se exemplos da devastação que governantes e políticos provocam nas mais diferentes roças da "res publica". Apesar dos avanços da democracia nos palcos contemporâneos, os atores políticos extrapolam seus papéis.
A par da bateria de denúncias que atingem os costados da administração federal, feitos de governantes municipais derrotados no último pleito têm chamado a atenção. Inconformados por não terem sido reeleitos ou pela derrota de seu candidato, os guerreiros da maldade abrem um vasto arsenal de armas para atirar contra a população.
A vingança se dá por meio de um leque de atos pérfidos: suspensão de serviços básicos, demissões irregulares de funcionários, calote na folha de pagamentos, desprezo pela Lei de Responsabilidade Fiscal etc. Apesar da iniciativa saneadora do Ministério Público e dos Tribunais de Contas, prefeitos conseguem driblar medidas impostas, como Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), ações cautelares e preparatórias de ações civis públicas.
O que explica a vingança contra o eleitorado? Reação ao exercício do voto consciente. Avançamos em matéria de cidadania ativa. O eleitorado racional se expande, sendo este um dos fatores a explicar o estreitamento dos currais eleitorais. Essa nova realidade explica a ação vingativa de prefeitos que receberam o cartão vermelho nas urnas. O "jus esperneandi" dos derrotados é uma tentativa de puxar para a atualidade traços do ciclo coronelista. Negar pão e água ao adversário e favorecer os amigos, máximas da República Velha, ainda inspiram a banda jurássica de nossa política.
O fato é que os avanços do presente, por mais que se multipliquem, não apagaram as marcas do passado. Nos mais diversos campos, da política aos costumes, o Brasil dual se faz ver por meio de uma banda asséptica ao lado de uma banda suja. Mas há motivos para comemorar. O STF chega ao fim de um julgamento que, há cinco meses, parecia algo inalcançável. Enxergamos as instituições, malgrado vaidades e querelas entre grupos, funcionarem a contento. Em um território afamado por impor barreiras quase intransponíveis ao acesso à Justiça, e onde se edificou gigantesco apartheid social, verificar que os poderosos também podem ingressar no xilindró constitui agradável sensação de que águas cristalinas voltam a banhar o corpo pátrio. Todos são iguais perante a lei.
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GAUDÊNCIO TORQUATO
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O país da piada
O Brasil padece hoje da improvisação dos homens públicos
24/05/20 - 03h00
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No chiste atualizado, o venezuelano indaga a Deus: por que o Senhor é tão injusto com a humanidade? Temos uma das maiores reservas de petróleo do mundo, o grande herói Simon Bolívar, mas hoje mera estampa na parede de Nicolas Maduro. Temos fome, miséria, mais de 3 milhões de pessoas já fugiram e uma inflação de 2,5 milhões por cento. E agora essa Covid?
Deus disse: tenho procurado ser justo. Vejam o Japão, tripinha de terra com tufões, mas um gigante tecnológico. Olhe os Estados Unidos, a maior potência mundial, atormentada por ciclones. E mais: a Covid-19 mata milhares no país e contamina milhões. Aliás, esse coronavírus é a resposta para os malefícios que as nações provocam contra a natureza, o ódio e a ambição de governantes e políticos.
Veja os encantos da Índia e contemple as belas paisagens africanas, mas fuja daquela miséria. Botei muito petróleo no Oriente para compensar a tristeza dos costumes desumanos.
Deus arrematou: veja o Brasil, imenso e fértil território, muito sol, costa monumental, sem terremotos ou guerras. E por que tanta condescendência? Deus foi taxativo: conhece o povinho que coloquei lá? Eles não estão livres desse vírus. Veja o governante eleito.
Acabou a conversa.
Pois é, esse governante acaba de acrescentar mais uma ao seu besteirol: “Quem é de direita usa cloroquina, quem é de esquerda toma tubaína”.
O castigo divino parece que chegou. O Brasil padece hoje da improvisação dos homens públicos.
Incúria, desleixo e falta de planejamento estão na base da gravidade da pandemia que nos assola. Crise dentro de crise: sanitária, econômica e políticas em escalada crescente.
Um governante “receita” cloroquina contra a Covid. Ministros da Saúde, médicos, saem por discordar do uso indiscriminado da droga. Um novo ministro da Saúde, general bom de logística, mas que nada sabe de medicina. De uma tacada só, nomeou dez militares.
Mais: uma secretária da Cultura, atriz famosa, deixa seu cargo depois de fritada pelo chefe. Um ministro da Educação que atropela o vernáculo. Um grupo de generais do Exército, instituição séria e respeitada, que parece concordar com os impropérios do capitão. Um ministro da Economia que dá sinais de desespero ante a projeção de queda de mais de 5% do PIB este ano. Um chanceler com uma estapafúrdia visão do mundo, cultor de nova “Guerra Fria”. Paro por aqui.
Ganância, ambição, ataque feroz à natureza e ausência do Estado são responsáveis pela ocupação maior dos cemitérios.
Continuaremos a viver de improviso caso as normas de boa conduta sejam jogadas no lixo. Temos boas leis para proteger a sociedade e o meio ambiente. São desprezadas. Agora, a guerra entre potências é para saber onde nasceu o vírus. Ora, o foco deve ser o combate a ele. Política não pode balizar a ciência.
O momento é de civismo. A grandeza de uma nação não é apenas a soma de riquezas materiais, abriga um conjunto de valores, sentimento de pátria, o sentido de família, culto às tradições e costumes, respeito às leis, visão de liberdade, seiva na qual o cidadão forja o orgulho pela terra em que nasceu.
Só assim deixaremos de ser o país da piada pronta.
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4 COMENTÁRIOS
Antônio Jair
Antônio Jair 15:00 - 24/05/2020
Deus arrematou: veja o Brasil, imenso e fértil território, muito Sol, costa monumental, sem terremotos ou guerras. E por que tanta condescendência? Deus foi taxativo: conhece o povinho PETISTA QUE AMA O CORRUPTO LULA que coloquei lá? Eles AINDA não estão livres desse vírus DO PT.
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Nestor Martins Amaral Júnior
Nestor Martins Amaral Júnior 12:35 - 24/05/2020
Pelo menos dois gols importantes foram marcados pelo ex-ministro Moro em favor do Brasil. Botou Lula na cadeia e acaba de tornar Bolsonaro candidato imbatível à reeleição. Por ter exigido a divulgação do vídeo na íntegra uma eventual tarja poderia dar margens a ilações de conspiradores de que ali estivesse algo escondido que pudesse incriminar o presidente. Os tiros de Moro na saída do governo saíram-lhe pela culatra. “E agora José a festa acabou (...)”. Bolsonaro é turrão, mas é autêntico.
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Seu Creyson
Seu Creyson 10:18 - 24/05/2020
Cara, espero que tenha incluído os últimos 18 anos na sua matéria, é justo, certo? Marolinha, pibinho, tubaína, ouvimos piadas a anos, porém, são os ouvidos seletivos da imprensa que nós faz rir de algo sem graça.
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Nestor Martins Amaral Júnior
Nestor Martins Amaral Júnior 09:56 - 24/05/2020
No atual cenário se exigirmos que o ministro da saúde seja um médico ou especialista sanitarista, o presidente da república também deveria ser um especialista desse segmento. Um erro crasso que muitos cometem é o de confundir função de gestor com a de especialista. O especialista é de fundamental importância no combate a essa pandemia, mas acima de tudo precisamos de um gestor com ênfase no planejamento estratégico, tático e operacional. O General está indo bem e deveria continuar na função.
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Gaudencio Torquato
AUTOR
Gaudêncio Torquato
Gaudêncio Torquato é jornalista, professor (USP) e consultor político e escreve todos os domingos
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