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quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

A corrupção no Poder Judiciário é a mais perigosa

Quando o Poder que deveria punir os malfeitores quer impedir a investigação dos seus próprios, a quem a população deve recorrer?

Casos de corrupção envolvendo o Judiciário sempre me deram arrepios. Todo mundo está mais “acostumado” – não só no Brasil, mas no mundo todo – a ver crimes do colarinho branco sendo cometidos por membros do Legislativo e do Executivo. E quando um parlamentar comete “atos de improbidade”, se os seus colegas não o punem, sempre há a esperança (ou ao menos a possibilidade) de que a população que o elegeu não o faça novamente. Já quando um membro do Executivo comete malfeitorias, a pressão popular pode dar conta do recado, seja diretamente, como quando Collor foi derrubado, seja indiretamente, como ocorreu ao longo de 2011 com o cai-cai de ministros.

No Judiciário, tudo é diferente. Para começar, juízes, claro, não prestam contas a eleitores. Por isso, tão raro quanto uma eventual pressão popular para, por exemplo, derrubar um juiz, é a possibilidade de que isso traga algum resultado. Em comparação com outros países, o atual sistema judiciário brasileiro é descolado do povo, e excessivamente fechado na interpretação da lei. A figura do constitucionalista Gilmar Mendes, ministro do STF, é o exemplo-mor disso. É isso (e mais algumas 
coisinhas) que explica episódios como o prende e solta de Daniel Dantas em 2008.

Alguns fatores me permitem imaginar que a corrupção no Poder Judiciário seja mais fácil e, concomitantemente, mais difícil de ser investigada, o que, claro, a deixa mais perigosa. Primeiramente, o óbvio: é o menos transparente dos poderes. Em segundo lugar, a dificuldade – maior do que há para parlamentares ou membros do executivo – em se iniciar e terminar um processo envolvendo juízes. Um outro motivo pode estar relacionado: o corrupto nos outros poderes, especialmente no Poder Legislativo, geralmente necessita fazer parte de um grupo, com outros corruptos. Sem isso, suas ações ilícitas são mais difíceis e arriscadas. No judiciário é diferente. Um juiz corrupto não precisa estar dentro de uma rede para cometer falcatruas. Em geral, o poder que ele tem já basta. Por fim, o fato de o Poder Judiciário estar alheio à dinâmica das disputas políticas que ocorrem nos outros poderes, faz com que haja muito menos “vontade” de investigar um juiz do que, por exemplo, um parlamentar que coleciona um rol de inimigos políticos. É muito em função disso, diga-se, que existe o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ou seja, ele é fruto da necessidade de haver um ente a quem seja dada legitimidade para investigar magistrados.

O que mais me arrepia, contudo, quando vejo casos de corrupção no Judiciário, é um pouco mais óbvio que tudo isso. É o fato de que o povo confia a esse Poder o papel de punir os malfeitores. Parece que no imaginário coletivo, o Judiciário é como se fosse o irmão mais velho do Legislativo, devendo monitorá-lo e punir a sua rebeldia. Por isso, qualquer projeto de suspeita que possa colocar em questionamento a imagem ilibada que detém o magistrado, cria uma forte sensação de insegurança pela população. Faz com que perguntemos: “A quem devemos recorrer?”. Enquanto cidadãos, sentimo-nos acorrentados, sem chão.

É isso que acontece atualmente com a crise no Judiciário. Sem ter aparecido (ainda) denúncias concretas envolvendo nomes específicos, a boa reputação dos magistrados vem se esfarelando dia após dia. A divulgação do relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), que apontou que as movimentações financeiras atípicas nos tribunais entre 2000 e 2010 somam R$ 855 milhões, foi suficiente para consolidar essa sensação de desconfiança que tomou conta do país. E o comportamento da Associação de Magistrados Brasileiros (AMB) e de ministros do STF só piorou a situação: decidiram partir para o ataque ao CNJ, que foi quem solicitou ao Coaf o levantamento sobre as movimentações suspeitas. Há várias semanas, eles estão fazendo de tudo para impedir ou, ao menos, deslegitimar aquilo que o CNJ foi criado para fazer: controlar a atuação administrativa e financeira do Judiciário.

Isso, claro, gera mais questionamentos por parte da população. Ora, se todos ouvem, desde sempre, que quem não deve, não teme, muitos começam a concluir que, se alguém demonstra tanto temor, deve ser porque, de fato, está devendo algo. Ou isso, ou se trata de um corporativismo cego, quase infantil, por parte dos magistrados. Se quisesse, o Poder Judiciário poderia aproveitar esse momento e promover uma grande e verdadeira reforma do setor. Mas é melhor esperarmos sentados.