Manter pessoa presa por tempo desarrazoado configura constrangimento ilegal. O entendimento é da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Ceará, que ordenou a soltura de um homem que ficou preso preventivamente por mais de quatro anos. A decisão foi proferida nesta quarta-feira (26/8).
Segundo os autos, o réu foi detido em junho de 2016 por dano qualificado. Ele teve o flagrante convertido em preventiva. Ocorre que tal conduta pode gerar no máximo pena de seis meses a três anos de reclusão. Isso significa que o homem, que nunca foi julgado, permaneceu preso por prazo superior ao de qualquer possível condenação.
"Ante a extrapolação desarrazoada dos prazos processuais por motivos que não podem ser imputados à defesa do paciente, resta configurado o constrangimento ilegal decorrente do excesso de prazo na custódia cautelar da paciente, ensejando o relaxamento da prisão", afirmou o relator do caso, desembargador Sergio Luiz Arruda Parente.
O magistrado também destacou precedente do Supremo Tribunal Federal, fixado no julgamento do HC 142.177. Na ocasião, a Corte entendeu que o excesso do prazo, quando exclusivamente imputável ao aparelho judiciário, traduz situação anômala que compromete a efetividade do processo.
"Eventual superação dos prazos abstratamente previstos na lei processual penal para a prática dos atos processuais não importa, necessariamente, em constrangimento ilegal, uma vez que tais prazos não são absolutos, mas balizadores para a observância do princípio da razoável duração do processo. No caso em análise, verifica-se que há ofensa ao mencionado princípio, vez que a dilação processual provém de demora alheia à contribuição da paciente ou de sua defesa, já que não praticaram nenhum ato que comprovadamente ocasionou a morosidade do andamento processual", prossegue a decisão.
Embora tenha relaxado a prisão, o TJ-CE impôs medidas cautelares ao réu, levando em conta seus antecedentes criminais e "a gravidade concreta dos crimes a que responde".
Assim, o homem deverá comparecer mensalmente na presença de juiz para informar suas atividades; será monitorado eletronicamente; não poderá se ausentar da comarca; e deverá se recolher domiciliarmente no período noturno.
Custos vulnerabilis
A soltura ocorreu depois que a Defensoria Pública do Ceará entrou com Habeas Corpus. A instituição foi admitida no caso como custos vulnerabilis (guardiã dos vulneráveis). Atuou no HC o defensor Jorge Bheron Rocha.
"Importante decisão vanguardista da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará que, assim como as outras duas câmaras, reconheceu a legitimidade institucional autônoma da Defensoria Pública para a promoção dos Direitos Humanos da pessoa privada de liberdade, independentemente de representação por defensor privado ou público natural, bem assim na hipótese de ampliação do debate democrático para formação de precedente favorável aos indivíduos e grupos necessitados", afirmou Bheron à ConJur.
Em manifestação, o Ministério Público também se posicionou pela concessão da ordem. "Já transcorreram mais de quatro anos de prisão cautelar, sendo que a pena abstrata máxima para o crime de dano qualificado é de três anos. Logo, o paciente está preso por mais tempo do que determina a lei".
Clique AQUI para ler a decisão
0629397-18.2020.8.06.0000