Jucilene Vieira foi levada da casa de Francisca Pereira, hoje com 75 anos, quando tinha apenas dois anos de idade.
No último domingo (5), a autônoma Jucilene Vieira, 40, participou de um almoço de família especial: 38 anos depois de ter sido sequestrada pelo pai, ela voltou a dividir a mesa com a mãe, a aposentada Francisca Pereira, de 75 anos. Jucilene foi levada da casa onde residia com Francisca, no município de General Sampaio, para Fortaleza - uma distância de 120 Km - quando tinha apenas dois anos de idade.
“Foi uma alegria tão grande que até agora não caiu a ficha”, conta sobre o momento do reencontro, que aconteceu no atual endereço da mãe, em São Gonçalo do Amarante, localizado na Região Metropolitana da Capital. “Parecia que a gente já se conhecia faz tempo. Ver meus sobrinhos, reconhecer os meus traços neles foi muito forte. Me senti muito acolhida”, relembra, emocionada.
O caminho para esse reconhecimento começou já em 2020, quando a autônoma rompeu com o medo para entender melhor o paradeiro da mãe. “As histórias que eu sabia era que meu pai me tirou dela porque eu passava fome, que ela tinha me abandonado. Mas eu sentia que ali tinha mentira. Quem me criou foi minha tia, irmã do meu pai. Reuni toda a minha coragem e decidi perguntar para ela a verdadeira história”, explica.
Decisão feita, contou com a ajuda de dois amigos para encontrar o paradeiro de Francisca. “A única coisa que eu tinha dela era o nome e o nome dos meus avós na certidão de nascimento”, recorda. A empreitada envolveu parte da família e o filho, Yulli, de 18 anos. Todos participaram da busca. “Nunca quis que fosse segredo essa procura porque não era só sobre mim, envolvia muita gente”, aponta.
A partir de buscas na Internet, ela chegou a um endereço, perto de onde mora. Apesar das informações baterem, sentiu que ainda não era ali. “Eu nem desci do carro. Disseram que a mulher que eu achei tinha falecido. Sabia que não era ali. Eu sentia minha mãe viva em mim”, conta Jucilene.
Certeza
É nesse ponto da história que entra Marcos Aurélio, capitão da Polícia Militar do Ceará (PMCE). Após a tentativa frustrada, um dos amigos de Jucilene entrou em contato com o policial para uma investigação mais aprofundada. “A pessoa que tinha morrido tinha o mesmo nome da Dona Francisca, era homônima”, explica o Capitão. “Então fui enviando as informações que tinha no sistema sobre outras mulheres com nome similar para o nosso amigo em comum”.
O policial remeteu as fotos de quatro pessoas para a autônoma. Como nunca tinha visto a mãe crescida, Jucilene não podia contar com a memória para reconhecer Francisca. Contudo, o laço familiar falou mais alto.
“Eu disse que poderia mandar as fotos que eu ia reconhecer com coração. Assim que eu vi o rostinho dela, com meus traços, veio um filme. Aí, eu disse ‘Capitão, pode esquecer as outras três. É essa, mesmo”, recorda a autônoma.
Aurélio ficou responsável por entrar em contato com as pessoas possivelmente relacionadas à Francisca. “Meu receio era que houvesse algum ressentimento. Ela, Jucilene, estava com muita expectativa e eu queria poupar ela de uma frustração. Mas assim que eu liguei para a pessoa que eu consegui, que era a irmã mais velha dela, a Maria, a primeira coisa que ela me falou foi que estava procurando pela Jucilene fazia 30 anos”, recorda o policial.
Laços
Após o contato, Aurélio, Jucilene e o filho, Yulli partiram para São Gonçalo do Amarante em busca da outra parte da família. À primeira vista, o estranhamento foi substituído por uma grande emoção “Lá vende almoço. A gente chegou como se fosse cliente. Aí depois, quando caiu a ficha, nos abraçamos, nos reencontramos. Parecia que eu conhecia o pessoal faz muitos anos”, sente a autônoma.
Ver a mãe pela primeira vez foi uma experiência à parte. Foi nas conversas com Dona Francisca que Jucilene descobriu o outro lado da história, escondido durante a infância. “Minha mãe nunca deixou de ir atrás de mim. Botava os anúncios de desaparecida. Elas nunca desistiu. Disse que sabia que eu tava viva e que iria me encontrar antes de morrer”, conta Jucilene.
Desde então, muitas conversas e oportunidades para colocar o tempo em dia. “Agora, a família aumentou. Eu descobri que tenho outros dois irmãos que moram fora aqui do Ceará. Conheci meus tios, sobrinhos. Você se sente acolhida, abraçada. Eu estou muito grata”, confirma.
Apesar das circunstâncias, Jucilene confessa estar em paz com o passado.
“Meu pai morreu quando eu tinha 14 anos. Foi tudo muito duro. Eu não quero encontrar culpados, eu sinto que Deus me honrou, agora tenho duas famílias. Sinto que a jornada fez parte porque se eu não tivesse um passado de escuridão, não conseguiria ver a luz Deus colocou nesses momentos”, avalia.
(DN)