-->

domingo, 7 de julho de 2019

Reforma da Previdência evita derrubar privilégios corporativos

Por Jéssica Welma e Carol Curvello, em Brasília, 22:30 / 06 de Julho de 2019
Texto começa a ser discutido no Plenário da Câmara na próxima terça, em meio às pressões para alterar regras da reforma


Policiais pressionam Governo e Congresso por regras mais brandas para aposentadorias
Foto: Agência Brasil

 A reforma da Previdência – que deve começar a ser discutida no Plenário da Câmara, na próxima terça-feira, para votação final ainda neste mês – poderá garantir privilégios a determinadas categorias nas regras das aposentadorias, comprometendo as promessas do bloco governista de acabar com algumas regalias corporativas a fim de reduzir o rombo histórico nas contas públicas. 

Essa é a principal avaliação dos especialistas ouvidos pela reportagem sobre o parecer aprovado pela ampla maioria (36 votos a 13) dos deputados membros da Comissão Especial da reforma da Previdência, em votação na quinta.

“Há privilégios que são difíceis de serem destronados”, lembra o presidente da Comissão de Combate à Corrupção da OAB-CE, Rafael Mota Reis.

O advogado explica que as regras atuais da Previdência foram influenciadas por um ideal de que pessoas que prestaram “relevantes serviços públicos” deveriam ser “premiadas”. Entre elas, estão categorias como políticos, magistrados e militares, beneficiadas por tempos (de idade e contribuição) mais curtos para se aposentar e permissão para acumular benefícios.

A reforma que chega para ser votada pelos 513 deputados, até o próximo dia 17, deixou de fora, por exemplo, mudanças nos critérios de aposentadorias dos militares. O Governo apresentou, em março, uma proposta separada para as Forças Armadas, na qual os inativos receberão o mesmo soldo dos militares na ativa – incluindo os reajustes.

A retirada dos militares da reforma geral é vista como um revés no discurso inicial do Governo. “Isso passa uma mensagem terrível para quem defende a reforma na correção das distorções”, analisa Reis. 

Outro prejuízo ao discurso do Planalto: a influência do presidente Jair Bolsonaro para favorecer policiais federais, rodoviários e legislativos. 

Um dos grupos mais insatisfeitos com a reforma é o dos policiais. Bolsonaro se empenhou para alterar o texto em prol da categoria, reduzindo a faixa de idade mínima da aposentadoria a 53 anos (homens) e 52 (mulheres). 

Na proposta original, eles poderiam se aposentar com idade mínima de 55 anos, desde que com 30 de contribuição. É dez anos menos do que o resto da população. Hoje, não há idade mínima, bastam 30 anos contribuindo.

Segundo o presidente da Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis, André Luiz Gutierrez, “a categoria perdeu uma batalha, mas não uma guerra”.

Servidores

O maior grupo de “lobby” no Congresso atualmente é o dos servidores públicos. O alvo deles na reforma tem sido a transição do funcionalismo e a alíquota de contribuição. O projeto cria uma tabela progressiva que eleva para pouco mais de 16% a contribuição efetiva de servidores que ganham salários mais altos.

Esse é o porcentual que o Governo entende necessário para bancar aposentadorias acima do teto do INSS, calculadas pela média dos salários da ativa. A progressividade até essa alíquota é opcional para o funcionário público contratado depois de 2003 e até 2013 - ele pode contribuir sobre o teto do INSS e recolher para um fundo previdenciário.

Para o presidente da Confederação dos Servidores Públicos do Brasil, João Domingos Gomes, o texto aprovado pela Comissão Especial está longe de atender ao que seria uma reforma ideal aos servidores. 

“A verdadeira reforma tem que criar mecanismos para corrigir de fato o que causa déficit, profissionalizar gestão. Esse texto não fala nada disso”, disse Gomes.

Crítica

Apesar de ser frequente no Congresso, o lobby de categorias para manter seus interesses não tem boa fama, já que parte das negociações está ligada à troca de favores.
O cientista político Nauê Azevedo avalia que os lobistas serão ainda mais fortes na votação da reforma da Previdência no Plenário, o que deve tornar o debate “mais duro, longo e complexo”. 

Já o presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Ceará, Luiz Antônio Miranda, adverte para o “tratamento desigual” que a reforma poderá gerar na sociedade na hora de se aposentar.

“Começa-se a privilegiar outras categorias pelo lobby ou pela relação com o presidente. Não que não mereçam, mas isso cria um tratamento desigual. Como todos estamos entrando juntos para fazer a reforma mais robusta, ela tem que ser ampla também, ele (Bolsonaro) não pode ceder a pressões individuais”, alerta.

Educação

Apesar dos questionamentos sobre os efeitos do corporativismo, trabalhadores em Educação pressionam para ficar de fora da reforma. Eles prometem intensificar a articulação em busca de modificações no texto no Plenário, mesmo que a reforma já traga regras menos rigorosas para a categoria, em comparação a maior parte dos trabalhadores. 

Pelo texto aprovado, por exemplo, professores poderão se aposentar aos 57 anos de idade (mulheres) e 60 (homens), com direito ao último salário da carteira e aplicação de reajustes concedidos aos profissionais da ativa.

O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, Heleno Araújo, afirma que o Congresso não pode discutir uma reforma só com base na expectativa de vida da população e do déficit previdenciário, porque isso muda por região. Segundo ele, a categoria vai protestar nos próximos dias para barrar a votação no Plenário.

Ruralistas

Com bem mais força e poder de barganha do que policiais, servidores e professores, o lobby dos ruralistas garantiu a aprovação de um dos destaques de interesse da bancada de 270 parlamentares na última quinta-feira.

A Comissão Especial eliminou do texto a reoneração previdenciária das exportações de produtos agrícolas, retirando R$ 83,9 bilhões do texto e a proibição à dívida do Funrural. Caso concretizado esse benefício, a previsão de poupar, em 10 anos, até R$ 1 trilhão com a reforma, cai para R$ 987,5 bilhões.

“Bolsonaro é o presidente de todos os brasileiros e não apenas de alguns. Ele tem que tomar cuidado com a imagem que passa quando beneficia uma categoria”, diz Miranda.

Parlamentares

O texto base da reforma da Previdência chega ao Plenário sem muitas chances de mudanças. Quem acumulava um mínimo de privilégios nas novas regras, como políticos, magistrados e militares, deve mantê-los.

O deputado André Figueiredo (PDT) diz que a pressão do Governo, a qual, segundo ele, "envolve distribuição de cargos e de recursos", está surtindo efeito. No regime geral da Previdência Social, que abarca a maior parte dos trabalhadores, estão inclusos grupos que não têm força de barganha, ressalta.

Na base governista, a perspectiva de mudanças diminui. O deputado Heitor Freire (PSL) afirma que não se nega a receber nenhuma categoria, mas "está 100% alinhado" com a orientação do Governo.

O deputado Capitão Wagner (Pros) acredita que a pressão deve aumentar sobre deputados ligados a policiais e professores no Ceará. "Pode surtir efeito, podemos ter mudanças no Plenário. Lógico que é bem mais difícil porque a quantidade de votos é invertida, vamos precisar de 308 votos, mas é possível", afirma.

A meta do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é votar o texto até 17 de julho, antes do recesso parlamentar.

Red; DN