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domingo, 5 de fevereiro de 2017

Falta de planejamento financeiro torna leis obsoletas e inviáveis para serem aplicadas

As inúmeras dificuldades apontadas pelos entes da federação para cumprir determinadas leis federais evidenciam que o trabalho legislativo de senadores e deputados federais – muitas vezes pautado na necessidade de dar respostas à população sobre temas em discussão há anos – nem sempre leva em conta as consequências econômicas para os atores envolvidos. A falta de análise dos impactos financeiros e a não previsão de recursos muitas vezes tornam essas leis obsoletas ou inviáveis de serem aplicadas na prática.

São vários os casos que podem ser citados nesse contexto, mas um em especial tem voltado aos debates pela relevância para a sociedade: o Plano Nacional de Educação. A matéria, cuja discussão demorou mais de três anos no Congresso Nacional, é alvo de divergência entre parlamentares em relação à necessidade de revisão diante dos custos para cumprir todas as metas estabelecidas. 

Um estudo divulgado recentemente pelo IDados estima que o PNE deve custar 38% do total de recursos públicos para ser integralmente implementado. Segundo o estudo – cuja metodologia se baseia na análise dos gastos efetivados pelos sistemas de ensino e que leva em consideração as mudanças demográficas previstas pelos IBGE para os próximos anos –, a educação passaria a representar aproximadamente 16,4% do PIB por ano, um montante considerado bastante alto.

Há outros estudos recentes, porém, com resultados bem diferentes. O Ipea, por exemplo, projeta que o investimento necessário para cumprir o PNE é de 6,2% do PIB. Já o estudo da Fineduca e da Campanha Nacional pelo Direito à Educação estima esse valor em 10% do PIB. A questão é que em ambos os estudos diferem da projeção do IDados, já que estimam um valor total compatível com o atual nível de gastos com educação.

Desde a concepção do PNE, essa questão do financiamento para cumprir todas as metas é alvo de críticas. De um lado, há quem considere as metas “ousadas” e “inexequíveis”. De outro, existe os que defendem entendimento sobre o que é “caro” diante da reflexão sobre o nível de qualidade da educação que se deseja alcançar. Com a aprovação da PEC do Tetos dos Gastos, no ano passado, essa questão voltou ao debate sob o argumento da necessidade de revisão para evitar que o Plano deixe de ser executado.

Estado precisa fazer esforço, alega deputado

O deputado federal cearense Antônio Balhman diz que as proposituras dos parlamentares de fato devem ser responsáveis em relação aos custos, mas pondera que existem temas, como a Educação, que são “extremamente essenciais ao País” e de interesse de toda a sociedade. “Logicamente as fontes para financiar um programa revolucionário precisam ser avaliadas. Mas quando o tema é educação, o Estado é quem tem que fazer um esforço muito grande para cumprir porque as consequências dos resultados são grandes até na receita geral do País”, defende. 

A Política Nacional de Resíduos Sólidos é outro exemplo de leis que são aprovadas, mas têm dificuldade de aplicação por razões econômicas. Discutida por duas décadas no Congresso Nacional, essa matéria foi aprovada em 2010 sob o viés da preocupação com o meio ambiente, mas também com caráter sanitário, visto que o fim dos lixões deve impactar positivamente a saúde pública. 

Apesar da aprovação pelos parlamentares, a lei já gerava na época preocupações sobre a sua efetividade, uma vez que exige altos investimentos municipais e uma ampla participação da sociedade. Tanto que, algumas prorrogações de prazos chegaram a ser aprovadas. Dados do Ministério do Meio Ambiente revelam que, até 2015, apenas 2.300 dos 5.570 municípios haviam substituído os lixões pelos aterros sanitários.

Lixão

Dados do Ministério do Meio Ambiente revelam que, até 2015, apenas 2.300 dos 5.570 municípios haviam substituído os lixões pelos aterros sanitários FOTO: ELLEN FREITAS

Financiamento não planejado

O deputado federal Ronaldo Martins (PRB) reconhece que o problema da lei que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos é que as regras a serem cumpridas foram planejadas, mas não o financiamento. “Os aterros sanitários, nos moldes que a legislação pretende, e que é extremamente necessária, são caros. Está fora da realidade das prefeituras”, admite.

Já o deputado Danilo Forte (PSB) diz que o Brasil é marcado por um modelo concentrador, com muitas decisões sendo tomadas sem diálogo com os entes da federação. No entanto, ele acredita que essa realidade vem mudando, especialmente por conta da ampliação das dificuldades por conta da crise econômica nacional. “A partir do momento em que teve o aprofundamento da crise e um diálogo com a Presidência, a gente teve mais facilidade de inversão com relação a isso. Vamos aprofundar a discussão sobre o pacto federativo pra não ocorrer mais essa sobrecarga aos entes da federação”, declara.

Efeitos da crise

Questionado se a responsabilidade sobre essa sobrecarga não seria também dos parlamentares – que aprovam as leis, mesmo aquelas enviadas pelo Executivo, sem discutir a repercussão econômica aos atores –, Danilo Forte ponderou que este momento é diferenciado por conta da crise e que os parlamentares estão atentos a essa questão, tanto que adiaram prazos para o cumprimento de algumas leis.

“A responsabilidade é nossa, mas o momento é diferenciado pela crise. Hoje realmente não tem como as prefeituras realizarem os planos municipais de saneamento básico, por exemplo. Estamos pensando em parcerias com a universidade para auxiliar isso, mas também sou defensor da revisão do pacto federativo. Tenho compromisso com a municipalidade, então acompanho sempre os debates para não cobrir um santo e descobrir outro. O Brasil tem tido essa compreensão”, declara o parlamentar.

Mobilidade urbana

A lei que obriga os municípios a elaborarem seus planos de mobilidade urbana também enfrenta um problema semelhante. Atrelada à Política Nacional de Mobilidade, a matéria estabelecia que os planos deveriam estar prontos até abril de 2015. Os prazos para os municípios criarem seus planos de mobilidade urbana também chegaram a ser alterados por meio de Medida Provisória. 

Sobre esse caso especificamente, o deputado federal Danilo Forte (PSB) defende que, embora a lei não seja cumprida em sua integralidade, a sua aprovação teria sido “fundamental” para que grandes cidades avançassem na questão. “A gente tem que reconhecer avanços em médias e grandes cidades. Agora, é estimular as pequenas, mas sabendo que elas têm mais dificuldade técnicas e financeiras. Também é papel nosso estimular os prefeitos”, declara.

O problema da aprovação de leis sem estudar a viabilidade financeira para sua implantação não é novo. Em 2012, começou a tramitar na Câmara Federal a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 172, que visa justamente reduzir esse problema e desafogar estados e municípios. A matéria condiciona a entrada em vigor de novas despesas aprovadas pelo Congresso à indicação clara e precisa das respectivas fontes de receitas no âmbito municipal. 

Sobre isso, Antônio Balhman concorda que as proposituras dos parlamentares precisam ser responsáveis. “O deputado não pode estar fazendo projetos que venham onerar erário sem ter fonte para pagar apenas para agradar um grupo. É preciso ter critérios para não criar um problema grave. Cada proposta tem que ter por base a responsabilidade social”, afirma, acrescentando que considera a PEC essencial. “Assim, teríamos a garantia de uma estrutura que financie a mudança proposta pelos parlamentares”, diz.

Fonte DN