Sem demonstrar surpresa com o resultado da votação desta quarta (31) no Senado, o ex-secretário de Direitos Humanos de Fernando Henrique Cardoso, Paulo Sérgio Pinheiro, definiu o desfecho do processo de impeachment como “um desastre para o Brasil”.
“Esse processo já está marcado desde o seu início, foi produto de uma conspiração palaciana e parlamentar. Estamos agora na mesma galeria de Honduras e Paraguai. É grotesco, porque não há nenhum crime de responsabilidade e isto foi provado pelo Ministério Público Federal”, disse.
“É um desastre para o Brasil. Um desastre que esse vice se torne presidente. Ele não se torna legítimo porque esse processo é totalmente ilegítimo. A crise política vai continuar, vai se agravar a tensão social, um governo totalmente antipopular, disposto a usar a lei antiterrorismo. Então, as perspectivas são as piores possíveis”, afirmou Pinheiro, que desde 1995 tem desempenhado diversas funções na Organização das Nações Unidas (ONU), entre elas, a de presidente da Comissão Internacional de Investigação para a Síria.
Para ele, a decisão ilegítima do impeachment diante da não comprovação de crime de responsabilidade é ainda agravada ao ser tomada por um Congresso sem autoridade moral. “Tanto na Câmara, onde tem dezenas de deputados sendo processados, o próprio líder do governo interino é processado por homicídio, quanto no Senado, onde quase a metade está submetida a processo criminal, é um parlamento sem qualquer autoridade moral para fazer qualquer impeachment, muito menos este que, a meu ver, é um golpe de estado. Boa parte dos mandatos destes deputados foi comprada por lobbies e grupos interessados, e eles são paus mandados deste apoio financeiro.”
Paulo Sérgio Pinheiro demonstrou não ter dúvida do que virá pela frente, a partir de agora, com a efetivação de Michel Temer na presidência. “Com esse Congresso, eles vão aprovar todas as pautas bombas e projetos retrógrados com relação às mulheres, às crianças, ao trabalho escravo, tudo vai ser aprovado. Vão ser políticas regressistas, reacionárias, conservadoras, discriminatórias, sexistas, machistas, esse é o futuro”, apontou.
Pinheiro acredita, porém, que a proposta de congelar os gastos públicos em educação e saúde por 20 anos terá dificuldade em ser aprovada. “Vai custar muito caro para este governo comprar estes votos. Mas o panorama é o pior possível, é retrocesso e repressão. Eu não tenho nenhuma expectativa em relação ao futuro.”
Sobre o papel do PMDB no processo de impeachment, o ex-ministro definiu como o “coveiro” da presidenta Dilma Rousseff. “Foram os coveiros da República. Nós hoje somos uma República de Bananas por causa do PMDB.” E apesar de não esperar grandes reações populares contrárias ao novo governo, refletindo que isto não faz parte da cultura da sociedade brasileira, Pinheiro acredita que é preciso cobrar o governo Temer e manter a mobilização dos setores mais organizados.
“Tem que haver uma cobrança implacável deste governo ilegítimo. Reforçar a sua ilegitimidade, fazer críticas de todos estes projetos retrógrados e que os setores organizados continuem a manter sua organização. Mas protesto na rua eu não vejo por ora. Em toda a minha vida, a resistência social ficou devendo, a não ser no Rio Grande do Sul, com a Campanha da Legalidade e a defesa da posse do Jango. Então, eu não aposto em resistência popular ao golpe de estado, não vejo nenhuma possibilidade."
Com relação ao papel do Supremo Tribunal Federal (STF) ao longo do processo, o ex-coordenador da Comissão Nacional da Verdade (CNV) definiu como uma “vergonhosa inação”. E embora defenda o recurso que a defesa de Dilma Rousseff anunciou que fará, disse não ter muita esperança. “Eu espero que o recurso tenha algum êxito, mas pelos movimentos letárgicos do Supremo em vários momentos, eu não vejo, diante desta celebração do golpe... eu não espero nada deste Supremo”, disse, lembrando ainda a posição omissa do STF no período do Estado Novo e durante a ditadura civil-militar. “Durante a ditadura eles ficaram quietinhos com a supressão do habeas corpus e se inclinaram ao domínio militar.”
Perguntado sobre as consequências do impeachment diante da divisão na sociedade, claramente exposta desde o processo eleitoral de 2014, Paulo Sérgio Pinheiro acredita que irá se agravar. “O Brasil é um país dividido. É um país racista, autoritário, desigual, com renda estupidamente concentrada, então é evidente que é um país dividido, antes e depois da eleição. Essa divisão só vai se agravar com esse golpe de estado.”
Rede Brasil Atual