Outro ilícito constante dentro das celas, as drogas já somam quase 100Kg em apreensões desde janeiro de 2014
A presença de aparelhos celulares é uma realidade cada vez mais gritante no sistema carcerário cearense. Afora os diversos casos de vídeos ou fotos de dentro das celas que são publicados pelos próprios detentos em redes sociais, ou os golpes aplicados utilizando mensagens ou ligações falsas, os dados da Secretaria da Justiça e Cidadania (Sejus) chocam por dar forma à suspeita da facilidade de entrada do material nos presídios. Nas apreensões realizadas de janeiro do ano passado a junho deste ano, dentro das celas e na entrada dos presídios, foram 8.908 aparelhos celulares retidos.
Em todo o ano de 2014, foram 6.580 aparelhos encontrados nas celas e nas visitas. Deste total, 295 foram capturados durante as revistas aos visitantes na entrada dos presídios. Em 2015, já foram 2.328 aparelhos apreendidos dentro das unidades penitenciárias do Estado, apenas sete estavam com visitantes.
Também chama a atenção a quantidade de drogas apreendidas dentro das celas. Em todo o ano de 2014, foram 60Kg, dos quais apenas seis estavam em poder de visitantes e o restante, 54Kg, escondidos dentro das celas dos presídios. Em 2015, já forma 38Kg apreendidos. Apenas 367 gramas eram levados por visitantes.
Enfrentamento
O coordenador adjunto do sistema penitenciário, José Nilton de Souza, admite que a presença de celulares nas celas é o grande desafio atual na repressão à entrada de materiais proibidos nos presídios. "A grande maioria de ilícitos que apreendemos são celulares, e o segundo item é a droga. Tivemos uma diminuição significativa em relação à quantidade de droga que pegamos ano passado com os visitantes. A tendência é que nem chegue a um quilo ao fim do ano", projetou.
A quantidade de ilícitos apreendidos na entrada de presídios no Ceará, contudo, reduziu neste ano. O coordenador adjunto do sistema penitenciário credita a diminuição à instalação de aparelhos bodyscanner na porta das grandes unidades.
"Estamos apostando principalmente nos bodyscanners para evitar a entrada de ilícitos que é feita pela porta da frente. Tanto que nas unidades em que já instalamos, percebemos um aumento na tentativa de entrada através de arremessos de transeuntes, de fora para dentro das unidades. Para combater os arremessos, que chamamos de 'rebolo', colocamos agentes penitenciários nas guaritas, limpando todo o entorno das unidades prisionais para aumentar o campo de ação dos agentes e coibir estes rebolos", afirmou.
Criatividade
Conforme o coordenador adjunto, a intensificação na abordagem teria forçado os criminosos a abusarem da criatividade para ter acesso aos ilícitos. Souza revelou que diversas tentativas são realizadas e que a Sejus busca identificá-las e coibi-las.
"Com a maior fiscalização na parte da frente, os internos tentam uma nova forma de poder receber os ilícitos. Tentam, por exemplo, os arremessos através dos muros, em que a exposição é menor de quem tenta arremessar. Estamos com trabalho aprimorado em relação a isso".
A reportagem teve acesso a imagens feitas por agentes penitenciários que comprovam a criatividade dos criminosos. Dentre os exemplos, tentativas de ocultar drogas e chips de celulares em chinelos, em pacote de bolacha, tubo de creme dental e dentro de alimentos.
A Sejus informou que não há como afirmar se todas as imagens foram feitas em unidades cearenses. Porém, conforme relatos de agentes penitenciários, todos os casos registrados nas fotografias já foram presenciados no Ceará.
Dos relatos coletados pela reportagem, além dos que levam ilícitos junto ao corpo e dentro das partes íntimas, estão ainda casos de celulares escondidos em uma bola de futebol, chips de celulares misturados a farofa de calabresa, ilícitos implantados em partes de uma cadeira de rodas. Há, ainda, curiosos casos em que o material foi inserido em frutas.
"Entre os alimentos, os enlatados e os fechados, como biscoitos e sucrilhos, a gente já flagrou em várias tentativas de burla ao sistema. A medida tomada é que todos os alimentos devem ser abertos, vistoriados. As frutas devem ser abertas, cortadas, pois já encontramos celulares, por exemplo, dentro de mamões, maconha dentro de banana, tudo fechado de uma forma que fica perfeita. Eles abrem quando a fruta ainda está verde, colocam dentro o ilícito, a fruta amadurece, e fecha naturalmente", explicou Souza.
Ao ser flagrado tentando entrar em um presídio com qualquer tipo de material ilícito, o visitante é autuado em flagrante. Há casos em que, diante da prisão em flagrante, há inclusive tentativa de suborno aos agentes penitenciários.
"Uma visitante foi presa, ao ser detectada através das imagens de body scanner, com maconha. Ela tentou corromper a agente penitenciária, oferecendo R$ 5 mil em dinheiro. Ela recebeu voz de prisão e está detida para responder ao crime de tráfico, e nesse caso específico, ainda por corrupção. Tentava entrar com menos de 100g de maconha. Estamos trabalhando mais, e aparecendo mais as apreensões na mídia, pois estamos evitando essa entrada. Estamos evitando que o preso tenha acesso a todos esses ilícitos", enfatizou coordenador da Sejus.
Sindicato
O presidente do Sindicato dos agentes e servidores do sistema penal do Estado do Ceará (Sindasp-CE), Valdemiro Barbosa, não vê motivos para comemorar a redução das apreensões. Na visão do sindicalista, os números representam outra realidade.
"Na verdade, não tem-se dado condição nenhuma para fazer o trabalho. Desde o ano passado, com a portaria 723/2014, que trata da entrada de visitantes, proibindo a agente de fazer a revista pessoal, facilitou sobremaneira a entrada de ilícitos nas unidades prisionais. A secretaria anunciou que iria instalar bodyscanner em todas as unidades, mas instalaram só nas grandes. Não instalaram nas 139 cadeias do Interior, nem no presídio feminino, onde as presas estavam postando fotos em redes sociais, nem nas Penitenciárias do Cariri e de Sobral, que tem presos de alta periculosidade. Isso é negligência do Estado", disparou.
Valdemiro denunciou, ainda, que as condições de trabalho dos agentes são precárias, pelo baixo número do efetivo, diante da grande demanda de presos e visitantes a serem acompanhados.
"Além de tudo, temos a superlotação, com excedente de mais de 100% nas unidades prisionais do Ceará. Somado isso ao déficit de dois mil agentes no Estado. A Organização Mundial do Trabalho diz que tem que ser um agente para cada cinco presos. Aqui, temos a realidade de um agente para 100 presos. Em dia de visita, entram cerca de 800 visitantes. Cada um leva duas ou três sacolas. São em torno de 2 mil sacolas para cinco ou seis agentes vistoriarem. É humanamente impossível que tenhamos êxito para coibir a entrada desse material ilícito", detonou.
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