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domingo, 19 de abril de 2015

Casos de violência nas escolas aumentam e geram até morte


A violência nas escolas tem aumentado expressivamente, nos últimos anos, de acordo com informações de um inspetor da Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA), que terá a identidade preservada. Embora nenhuma das instituições procuradas pela reportagem tenha um levantamento de quantos procedimentos foram realizados nestes órgãos, o servidor da DCA disse que a demanda de estudantes que têm traficado, ameaçado professores e núcleo gestor, agredido colegas e sido flagrados portando armas brancas em colégios é "altíssima".

Conforme o inspetor, os casos são difíceis de serem solucionados, porque não há como fazer uma fiscalização efetiva do que entra na escola. "A Polícia fica de mãos atadas. Não podemos revistar cada aluno que chega ao colégio, porque seria invasivo e injusto com a maioria dos estudantes, que estão bem intencionados", disse o inspetor.

O policial revelou que muitos funcionários de estabelecimentos de ensino já foram ameaçados e até agredidos. "Alguns pedem segredo absoluto de suas denúncias, outros nem comparecem à Delegacia, por medo. "Não é fácil denunciar uma pessoa que sabe onde lhe encontrar. As ameaças estão se tornando mais sérias e por motivos cada vez mais banais", contou.

Morte
Um caso grave envolvendo alunos de escola pública aconteceu em Uruoca (a 300Km de Fortaleza), no último dia três de março, e está sob investigação da Polícia. Um estudante do sexto ano, identificado como Samuel Ferreira de Sousa, 12, foi espancado quando saía da Escola de Ensino Fundamental Valdemar Rocha. Três colegas teriam participado da ação; um da mesma idade e dois mais velhos.
A vítima das agressões morreu no dia 6 de abril, com um traumatismo crânio-encefálico, que segundo laudo da Perícia Forense do Ceará (Pefoce), foi causado pela surra que sofreu.
O menino não revelou aos familiares, de imediato, que tinha sido espancado. Somente alguns dias depois ele contou que estava sentindo tonturas e fortes dores de cabeça. Samuel foi levado ao hospital local, mas não melhorou. Diante do agravamento de seu quadro clínico, acabou sendo transferido para a Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) Pediátrica, da Santa Casa de Misericórdia de Sobral, no dia 27 de março, onde morreu.
Agressões
De acordo com a Polícia, Samuel Sousa teria sido vítima de uma tentativa de furto e ameaçou aos supostos infratores contar aos pais dele o que lhe ocorrera. "Existem indícios que as primeiras agressões (a tentativa de furto do relógio), tenham acontecido ainda dentro da escola. Porém, a lesão que causou a morte se deu quando ele saiu, poucos metros defronte ao colégio", disse o inspetor Clécio Bonfim, da Delegacia Municipal de Uruoca. Bonfim declarou que a Polícia já ouviu os suspeitos da agressão. Além disso, funcionários e outros alunos da escola, funcionários do hospital e familiares da vítima também prestaram depoimento na Delegacia.
O inspetor afirmou, com base nos depoimentos, que o adolescente morto era muito querido e um estudante responsável. "Ele não tem nenhum registro por indisciplina no livro da escola. Já os que bateram nele têm registros até por agressões sérias".
O delegado Carlos Alexandre, que preside o inquérito, disse que o relógio foi apreendido com uma criança que não participou do espancamento. Segundo Alexandre, o andamento das investigações aponta para um procedimento contra os agressores, que pode resultar na internação deles. "Os funcionários da escola não querem, mas as crianças estão contribuindo, algumas são muito corajosas. Encontramos histórico de alunos violentos e muitas ocorrências de agressões entre eles", declarou o delegado.
A irmã de Samuel, Fábia Aragão, contou que já existiam relatos de outros casos de violência ocorridos na mesma escola. "A diretoria não tomava providências por omissão. Não admito os funcionários dizerem que não sabiam que o Samuel foi espancado, porque a agressão começou dentro da escola. A própria diretora disse aos meus pais que os adolescentes que bateram nele já tinham agredido outras crianças. Então, porque as providências não foram tomadas?", indagou.
A irmã da vítima diz que quer que os responsáveis sejam punidos. "Eu quero que seja feita Justiça. Esses adolescentes infratores precisam, ao menos, serem retirados do meio das outras crianças. As pessoas que dirigem essa Escola também precisam ser mais responsáveis com a vida dos estudantes, enquanto eles estiverem lá. Eu não quero que outros alunos padeçam e gritem de dor como o Samuel".
A reportagem tentou falar com a diretora da escola, mas ela não atendeu às ligações. A Secretaria de Educação do Município de Uruoca foi procurada, mas até o fechamento dessa edição não havia se pronunciado.

Secretarias têm projetos de enfrentamento ao problema
Diante dos casos, a Secretaria de Educação do Estado e do Município foram contactadas sobre as estatísticas de ocorrências e o que estava sendo feito no enfrentamento de casos como o que vitimou Samuel Sousa, mas disseram não ter estatísticas. Quanto às medidas de combate à violência, a Secretaria de Educação do Estado (Seduc) informou que "acompanha suas escolas e entende que a prevenção às drogas na sociedade e, especificamente, na educação escolar deve ter olhar multifacetado por parte dos gestores e da sociedade, pois somente dessa forma serão possíveis diferentes níveis de atuação nesse tema".
A Seduc declarou que entende que a violência é um dos principais conflitos sociais atualmente, por isto "busca atuar de forma multidisciplinar desenvolvendo programas e projetos em parceria com o Governo Federal, organizações internacionais, órgãos das administrações estadual e municipais, que colaboram diretamente para garantia de direitos das crianças e adolescentes.
Segundo a Seduc suas principais medidas para combater a violência nas escolas são o Programa Geração da Paz, Programa é "Paz pela paz", Projeto Professor Diretor de Turma e o Programa de Saúde e Prevenção nas Escolas (SPE). Cada um dos programas incentiva uma área diferente do combate às vulnerabilidade sociais e tem um foco específico. No entanto, conforme a Seduc, procuram englobar não só os alunos, mas pais, professores, núcleo gestor e a comunidade em que a escola funciona. "Os projetos estão sendo desenvolvidos em todas em colégios de todas as regiões do Estado. Alguns deles já chegaram a atingir 93% da rede estadual de ensino, outros até 80%".
A Seduc disse também, que atua em parceria com as Secretarias de Educação e Saúde Municipais. Segundo o órgão, a parceria foi firmada no "intuito de mobilizar, apoiar, promover e fortalecer as ações de prevenção não só às drogas, mas às violências".
SME
No ano de 2013 foi criada a Célula de Mediação Social, pela Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza (SME), que visa incentivar a cultura de paz nas escolas e solucionar conflitos através da mediação. A SME informou que desenvolve várias parcerias, ações e projetos de combate à violência nas escolas. Esse trabalho é realizado em parceria com o Ministério Público do Estado e os Conselhos Tutelares.
A instituição disse também, que desde 2014, a segurança nas escolas vem sendo reforçada pelo Pelotão de Segurança Escolar (PSE), da Guarda Municipal de Fortaleza. "A proposta do PSE é promover a segurança nas escolas, garantindo atendimento aos pais, alunos, professores e colaboradores da rede municipal".
O programa mantém 22 equipes que realizam rondas em todas as escolas municipais, com 97 servidores atuando. Além das rondas, as equipes orientam sobre segurança cidadã e ministram palestras sobre gravidez na adolescência e preservação do patrimônio público, quando solicitados pelos gestores escolares.
Ainda segundo a SME, a Instituição está trabalhando para, até o final deste semestre, implantar a Célula de Segurança Escolar que atuará em parceria com o PSE. "O departamento realizará atividades que envolvem a implementação de registro de ocorrências nas escolas, vigilância patrimonial, vigilância eletrônica e capacitações. É a partir deste monitoramento que serão gerados dados estatísticos de ocorrências nas escolas".
A SME coordena o Programa Educacional de Resistência às Drogas (Proerd), que acontece em parceira com a Polícia Militar, no sentido de prevenir o abuso de drogas e a violência entre estudantes. "As lições do Proerd ajudam a reconhecer pressões e influências diárias que levam ao uso de drogas e à prática de violência, ensinando resistir a elas", informou o órgão.
Polícia faz trabalho de combate a droga
A Divisão de Proteção ao Estudante (Dipre) está trabalhando em parceria com a Divisão de Combate ao Tráfico de Drogas (DCTD) na prevenção e repreensão de casos de violência nas escolas, já que muitas das ocorrências estão ligadas ao uso ou negociação de entorpecentes por parte dos alunos. De acordo com o titular da Dipre, inspetor Sílvio Maia, no ano de 2014, 80 mil alunos foram atendidos pela Divisão, que vai aos colégios fazer palestras, cursos e oficinas.
Para Maia, os entorpecentes são pivô da violência, dentro e fora das instituições de ensino. "A criminalidade é uma febre que se alastra e ataca a toda a sociedade. Infelizmente a droga, grande motivadora da violência, chegou de forma muito forte na vida da juventude e como os jovens estão na escola, estes casos acabam também afetando as instituições de ensino".
O diretor da Dipre declarou que as escolas podem fazer a solicitação, via ofício, para que os policiais entrem em contato para atender as demandas, em todo o Estado. Até mesmo instituições particulares podem fazer o pedido. "Nas próximas semanas temos um trabalho agendado em uma escola particular daqui de Fortaleza. A direção teve notícia que um traficante estava aliciando um aluno e ele estava levando drogas para os colegas dentro da escola. Foi feito a parte repreensiva e nós vamos agora fazer a conscientização de todo o mal que o uso de drogas pode trazer", afirmou Maia.
O inspetor disse que também tem observado o crescimento no número de procedimentos nas escolas, mas a Dipre continuará firme em seus trabalhos de tentar convencer os jovens a não entrar no mundo das drogas. "A grande maioria dos casos de violência, sejam eles agressões ou ameaças, é cometida por pessoas que usam drogas. Continuaremos nesta tarefa difícil, mas gratificante. Um aluno que seja, que nós tirarmos do mundo do crime é um prêmio para nós".
Márcia Feitosa
Repórter