Conflitos entre criminosos aumentaram desde decisão do STF que restringe operações policiais.
Na noite de quarta-feira passada, abraçada ao filho de 3 anos, Ana Cristina da Silva, 25, morreu com dois tiros de fuzil: um na cabeça, outro no ventre. Ela ficou no fogo cruzado de traficantes. Sem socorro, seu corpo ficou caído em uma rua de acesso ao morro do São Carlos, já que os bombeiros afirmaram que nada poderiam fazer por conta do tiroteio. A tragédia expôs dois efeitos colaterais da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que restringe operações policiais em comunidades: o aumento de disputas entre quadrilhas rivais no período e a atuação somente reativa das polícias, pois, segundo a decisão, as operações só podem ocorrer em casos excepcionais.
Esses efeitos foram apontados pelo Subsecretário de Planejamento e Integração Operacional, Felipe Curi, em um segundo relatório enviado em agosto, ao STF, ao qual O DIA teve acesso. Nele, Curi afirma que em 60 dias após a decisão judicial, datada de 5 de junho, houve o aumento de "disputas territoriais entre facções rivais de narcotraficantes e entre estes e milicianos em todo o Estado do Rio de Janeiro, com diversas mortes de crianças e inocentes e desaparecimentos não registrados de pessoas residentes nessas regiões. Praticamente uma guerra entre grupos criminosos rivais por dia".
Segundo Curi, até sexta-feira, o número foi atualizado para 60 registros de disputas entre criminosos, como o tiroteio do Terceiro Comando Puro e do Comando Vermelho pelo São Carlos, que vitimou Ana Cristina.
Em nota sobre o confronto no São Carlos e morte de Ana Cristina, a Polícia Civil pontuou que "com a decisão do STF, que determina a realização de operações em hipóteses “absolutamente excepcionais”, sem elencar quais seriam essas hipóteses, gerou enorme insegurança jurídica no planejamento, atuação e rotina das polícias. Ações preventivas para conter eventuais disputas territoriais ficam fora desse conceito de excepcionalidade por não terem data prevista. Dessa forma a decisão obriga que as polícias hajam apenas de forma reativa, pois se enquadra na hipótese de “casos extraordinários” mencionados na decisão do STF".
Aumento de 68% dos tiroteios na capital
A pedido da reportagem, o Disque Denúncia fez um levantamento dos registros sobre o tema, no município do Rio. Desde a decisão judicial até o dia 29 de agosto foram 42 tiroteios entre quadrilhas rivais, contra 25 do mesmo período do ano passado, um aumento de 68%. Em segundo lugar ficou o município de Duque de Caxias, com 9 registros, seguido de Japeri, com 3.
Ainda no relatório enviado ao STF, Curi ressaltou que alguns índices criminais já estavam em queda na comparação de janeiro a maio deste ano com o mesmo período do ano anterior, ou seja, antes da decisão do STF. Alguns, com recorde histórico de redução, como morte por intervenção de agentes do estado (menor desde 1998), latrocínio e letalidade violenta, homicídio doloso.
No entanto, o Observatório de Segurança do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes ressalta que, no mês de julho, após a decisão judicial, o número de mortes em confronto com a polícia voltou a subir. A Polícia Civil disse que nenhum dos confrontos foi com um dos seus agentes. Já a Polícia Militar disse que "o confronto é uma opção dos criminosos, que, de posse de armas de alto poder de destruição, disparam tiros em direção à tropa sem medir consequências".
Sobre o poder bélico, o relatório da Polícia Civil diz que "na área urbana do Estado do Rio de Janeiro circulam, ao menos, 56.520 indivíduos portando fuzis e pistolas".
Procurado, o subsecretário disse que as comunidades foram transformadas em "zonas de proteção do crime organizado (...). Houve aumento da instalação de barricadas, impedindo o direito de ir e vir dos moradores, coleta de lixo, atendimento médico, entre outros direitos básicos".
Em relação a possíveis confrontos com a polícia, Curi disse que "na operação ESPOLIADOR III, das 416 prisões realizadas, somente na Capital, quase 200 prisões foram feitas na cidade do Rio de Janeiro e nenhum tiro disparado. Todas fora de comunidades. Ou seja, ta provado que a policia não é violenta. Ela é recebida com violência nas comunidades e reage em legítima defesa. Quem é beligerante é o criminoso". A operação, realizada no dia 25 de agosto, foi considerada a maior da história da Polícia Civil.
Moradores como escudo humano
Em redes sociais, a polícia encontrou provas de que traficantes estão usando moradores locais como escudos humanos, conforme denúncias. Na postagem de um Twitter com o perfil 'Fallet Fogueteiro e Coroa', comunidades da região central do Rio que estão sofrendo disputa entre criminosos rivais, uma pessoa pede para moradores ocuparem as vielas do São Carlos e, assim, evitar que criminosos da região sejam atingidos. "Se o morro ficar deserto é muito pior porque se eles (rivais) estiverem no tróia (escondidos, esperando para atacar) será muito mais fácil alvejar alguém", diz trecho.
Procurada sobre a decisão do STF, a Anistia Internacional disse que a mesma "não fere as prerrogativas constitucionais do governo do estado para cumprir seu dever de garantir a segurança dos cidadãos". E destacou a redução da letalidade policial após a decisão. O Ministério Público afirmou que está sendo comunicado das operações. A Defensoria Pública não retornou ao pedido de posicionamento.
Na noite de quarta-feira passada, abraçada ao filho de 3 anos, Ana Cristina da Silva, 25, morreu com dois tiros de fuzil: um na cabeça, outro no ventre. Ela ficou no fogo cruzado de traficantes. Sem socorro, seu corpo ficou caído em uma rua de acesso ao morro do São Carlos, já que os bombeiros afirmaram que nada poderiam fazer por conta do tiroteio. A tragédia expôs dois efeitos colaterais da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que restringe operações policiais em comunidades: o aumento de disputas entre quadrilhas rivais no período e a atuação somente reativa das polícias, pois, segundo a decisão, as operações só podem ocorrer em casos excepcionais.
Esses efeitos foram apontados pelo Subsecretário de Planejamento e Integração Operacional, Felipe Curi, em um segundo relatório enviado em agosto, ao STF, ao qual O DIA teve acesso. Nele, Curi afirma que em 60 dias após a decisão judicial, datada de 5 de junho, houve o aumento de "disputas territoriais entre facções rivais de narcotraficantes e entre estes e milicianos em todo o Estado do Rio de Janeiro, com diversas mortes de crianças e inocentes e desaparecimentos não registrados de pessoas residentes nessas regiões. Praticamente uma guerra entre grupos criminosos rivais por dia".
Segundo Curi, até sexta-feira, o número foi atualizado para 60 registros de disputas entre criminosos, como o tiroteio do Terceiro Comando Puro e do Comando Vermelho pelo São Carlos, que vitimou Ana Cristina.
Em nota sobre o confronto no São Carlos e morte de Ana Cristina, a Polícia Civil pontuou que "com a decisão do STF, que determina a realização de operações em hipóteses “absolutamente excepcionais”, sem elencar quais seriam essas hipóteses, gerou enorme insegurança jurídica no planejamento, atuação e rotina das polícias. Ações preventivas para conter eventuais disputas territoriais ficam fora desse conceito de excepcionalidade por não terem data prevista. Dessa forma a decisão obriga que as polícias hajam apenas de forma reativa, pois se enquadra na hipótese de “casos extraordinários” mencionados na decisão do STF".
Aumento de 68% dos tiroteios na capital
A pedido da reportagem, o Disque Denúncia fez um levantamento dos registros sobre o tema, no município do Rio. Desde a decisão judicial até o dia 29 de agosto foram 42 tiroteios entre quadrilhas rivais, contra 25 do mesmo período do ano passado, um aumento de 68%. Em segundo lugar ficou o município de Duque de Caxias, com 9 registros, seguido de Japeri, com 3.
Ainda no relatório enviado ao STF, Curi ressaltou que alguns índices criminais já estavam em queda na comparação de janeiro a maio deste ano com o mesmo período do ano anterior, ou seja, antes da decisão do STF. Alguns, com recorde histórico de redução, como morte por intervenção de agentes do estado (menor desde 1998), latrocínio e letalidade violenta, homicídio doloso.
No entanto, o Observatório de Segurança do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes ressalta que, no mês de julho, após a decisão judicial, o número de mortes em confronto com a polícia voltou a subir. A Polícia Civil disse que nenhum dos confrontos foi com um dos seus agentes. Já a Polícia Militar disse que "o confronto é uma opção dos criminosos, que, de posse de armas de alto poder de destruição, disparam tiros em direção à tropa sem medir consequências".
Sobre o poder bélico, o relatório da Polícia Civil diz que "na área urbana do Estado do Rio de Janeiro circulam, ao menos, 56.520 indivíduos portando fuzis e pistolas".
Procurado, o subsecretário disse que as comunidades foram transformadas em "zonas de proteção do crime organizado (...). Houve aumento da instalação de barricadas, impedindo o direito de ir e vir dos moradores, coleta de lixo, atendimento médico, entre outros direitos básicos".
Em relação a possíveis confrontos com a polícia, Curi disse que "na operação ESPOLIADOR III, das 416 prisões realizadas, somente na Capital, quase 200 prisões foram feitas na cidade do Rio de Janeiro e nenhum tiro disparado. Todas fora de comunidades. Ou seja, ta provado que a policia não é violenta. Ela é recebida com violência nas comunidades e reage em legítima defesa. Quem é beligerante é o criminoso". A operação, realizada no dia 25 de agosto, foi considerada a maior da história da Polícia Civil.
Moradores como escudo humano
Em redes sociais, a polícia encontrou provas de que traficantes estão usando moradores locais como escudos humanos, conforme denúncias. Na postagem de um Twitter com o perfil 'Fallet Fogueteiro e Coroa', comunidades da região central do Rio que estão sofrendo disputa entre criminosos rivais, uma pessoa pede para moradores ocuparem as vielas do São Carlos e, assim, evitar que criminosos da região sejam atingidos. "Se o morro ficar deserto é muito pior porque se eles (rivais) estiverem no tróia (escondidos, esperando para atacar) será muito mais fácil alvejar alguém", diz trecho.
Procurada sobre a decisão do STF, a Anistia Internacional disse que a mesma "não fere as prerrogativas constitucionais do governo do estado para cumprir seu dever de garantir a segurança dos cidadãos". E destacou a redução da letalidade policial após a decisão. O Ministério Público afirmou que está sendo comunicado das operações. A Defensoria Pública não retornou ao pedido de posicionamento.
Confira as notas:
Anistia Internacional
"A Anistia Internacional entende que a decisão do Supremo Tribunal Federal que restringe as operações policiais em favelas e comunidades do Rio de Janeiro não fere as prerrogativas constitucionais do governo do estado para cumprir seu dever de garantir a segurança dos cidadãos. Como nos manifestamos em outras oportunidades, o que a decisão da suprema corte faz é impor algumas salvaguardas a serem adotadas para o controle da atividade policial quando excepcionalmente, se faça extremamente necessária a realização de operações policiais em favelas. Essas salvaguardas se provaram eficientes em reduzir a letalidade policial em 73% em junho deste ano em comparação com o mesmo período de 2019. O estado precisa repensar seu o modelo de segurança pública e de uso da força, inclusive letal. A segurança pública precisa estar baseada no uso da inteligência, no respeito às leis e na garantia da vida de todos os cidadãos, como apontamos há anos com propostas e pesquisas sobre o tema".
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro
"O Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça Criminais (CAO Criminal/MPRJ) esclarece que a decisão do STF não retira das polícias a avaliação exclusiva dos casos em que deva agir, cabendo informar ao Ministério Público posteriormente a notícia da realização de atividades neste período excepcional. Para tanto, foi acordado entre as instituições um período de até 24 horas após o início da operação para tais informações. As operações estão sendo comunicadas ao MPRJ e eventuais irregularidades cometidas serão objeto de análise pelas Promotorias de Justiças com atribuição para cada caso concreto.
Desde 5 de junho até o dia 24 de agosto foram recebidas 71 comunicações, a maioria enviada diretamente pela Polícia Militar e Polícia Civil do Estado, e algumas reencaminhadas internamente pelo Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (GAESP/MPRJ). Os e-mails informavam o parquet fluminense sobre operações então programadas para dias próximos em comunidades de diversos bairros da cidade do Rio (como Praça Seca, Penha, Madureira, Bangu e Olaria, além de Pavão, Pavãozinho e Galo, na zona Sul), e também em municípios como Angra dos Reis, São João de Meriti, Duque de Caxias, Belford Roxo, Niterói e São Gonçalo.
Cabe esclarecer que todas as comunicações recebidas são imediatamente repassadas aos promotores de Justiça com atribuição, a quem cabe estabelecer contato com a corporação responsável pela operação e solicitar a apresentação da justificativa para a realização da mesma, quando necessário. Na maioria das vezes, os e-mails recebidos são autoexplicativos e já deixam caracterizado o caráter de excepcionalidade, o que justifica sua deflagração".
Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro
"A Assessoria de Imprensa da Secretaria de Estado de Polícia Militar informa que as ações da Corporação no enfrentamento ao crime organizado são planejadas com base em informações de inteligência, tendo como preocupação central a preservação de vidas e o cumprimento das decisões da Justiça.
O confronto é uma opção dos criminosos, que, de posse de armas de alto poder de destruição, disparam tiros em direção à tropa sem medir consequências.
Quando as operações resultam em casos de lesão corporal ou óbito, são instaurados automaticamente dois inquéritos. Um pela Delegacia de Homicídios da Polícia Civil e o outro pela Polícia Militar, através de Inquérito Policial Militar (IPM) aberto pela unidade da Corporação envolvida na ocorrência; ambos acompanhados pelo Ministério Público.
Vale ressaltar que a Corregedoria da Polícia Militar acompanha e colabora com os inquéritos".
(O Dia)