O Instituto Penal Feminino Auri Moura Costa proporciona oportunidades de ressignificação das histórias das detentas
Enquanto revisa as roupas confeccionadas pelas colegas de prisão, Leidiana reflete sobre a própria experiência. “Minha vida tava errada, então vou colocar ela no conserto do mesmo jeito que eu faço com as peças aqui”, acredita. A cada 30 dias, seus olhos fiscalizam cerca de 1.100 vestimentas, de todos os tipos, e ela não pode deixar passar nenhuma imperfeição. Há três anos e 11 meses cumprindo pena no Instituto Penal Feminino (IPF) Auri Moura Costa, orgulha-se de já ter feito inúmeros cursos profissionalizantes no presídio e de agora ter a oportunidade de trabalhar para a marca Colmeia (esta, atuante desde 2013 no IPF), em troca de salário e remissão de pena.
Junto a ela, estão outras nove detentas, todas coordenadas pela gerente Cléia Cavalcante, 57. “Eu não posso ficar doente”, brinca ela, ao que Leidiana responde sorrindo: “Não pode, porque se não desconta no nosso dinheiro”. De segunda a sexta, 8 horas por dia, elas se debruçam sobre as máquinas e tecidos, sempre com uma demanda alta de entrega. A cada três dias trabalhados, um a menos de encarceramento; e, no fim do mês, R$720 para quem tiver cumprido toda a carga horária. O valor é entregue às famílias, que administram o financeiro do lado de fora.
Cléia zela pelas colaboradoras com o olhar disciplinador de mãe, principalmente porque um dia já esteve na mesma posição em que hoje elas estão. “Eu tinha 26 anos na primeira vez que eu entrei na cadeia, e a última cadeia que eu puxei, saí com 52 anos. Foram anos perdidos. Só não mais porque eu procurei pra mim uma profissão”, conta. A atitude de mudança ela deve ao nascimento dos netos. “Eu tava cansada da vida aqui. Vida não, não vivia, vegetava. Eu roubava pra sustentar o vício. Agora tenho uma vida digna, viver né, realmente viver. Hoje eu vivo”.
Desde 2007, ela deixou o mundo das drogas. A oportunidade de trabalhar com confecção no presídio, ajudou-a a ressignificar sua história, hoje servindo de exemplo para as demais. O bom comportamento e o desempenho nos anos de pena conferiram-lhe a oportunidade de ser contratada pela Colmeia para atuar no IPF. “Digo sempre pra elas: eu passei tudo que vocês passaram. Você quer, você consegue. Meu lema é esse. Eu quero, eu consigo”, determina.
Leidiana, que já soma quatro anos de pena, entende essa afirmação da sua forma. “Aqui é o começo de um novo horizonte. Lá fora você vai avançar. Você não pode é retroceder. A gente tem que sempre procurar se capacitar mais e mais, buscar conhecimentos e mostrar pra sociedade que o presídio em si não é só as coisas ruins. E que cabe a você querer as coisas boas também. Depende da gente”, acredita, seguindo o jogo do contente que a filha de 14 anos ensinou.
Triagem
A seleção das mulheres que trabalham para a Colmeia é feita pela Coordenadoria de Inclusão Social do Preso e do Egresso (Cispe). O supervisor Clécio Fernandes de Oliveira explica que o critério principal é o comportamento das mulheres na unidade, não sendo feita diferenciação por crime cometido. “Elas mesmas indicam umas às outras e a direção faz a triagem. Além disso, a gente tem uma qualificação na Tia Neném, artesã terceirizada pela Sejus, que trabalha aqui com as meninas ensinando o básico de artesanato e costura”, diz.
Maria de Fátima Neo do Nascimento, 68, foi uma que, vinte dias após entrar no regime fechado, buscou o artesanato na sala da Tia Neném. Hoje, enquanto coloca o zíper num short branco que certamente fará parte da coleção de ano novo, ela lembra de como tudo começou. “Trabalhei com isso só depois que eu vim pra cadeia... Porque lá fora não, o mundo ia me levando, né? Aí quando eu caí na cadeia, eu não sabia fazer nada. Meus filhos passando fome lá fora. E eu não podia fazer nada”, revela entre lágrimas. “Foi então que a Tia Neném me ensinou a fazer crochê, a bordar, e a fazer tapete, fuxico”, diz.
Maria de Fátima descobriu na costura sua verdadeira profissão
Helene Santos
Lá dentro, “Dona Pitombeira”, como é conhecida aqui fora, já sofreu com perdas irreparáveis. Irmão, filho e dois netos foram assassinados de dois anos pra cá, período em que ela cumpre pena por tráfico de drogas. “A pior coisa que eu passei foi ter a minha perda de quatro pessoas da minha família e não ter o direito de ir pro enterro nem nada. Porque a gente presa né, é presa mesmo. Tem dia que me dá saudade, chegar em casa eu não vou ver mais. E pra completar eu tinha uma casinha, aí eles derrubaram. Ai meu Deus, só tu Senhor”, lamenta.
A vontade de trabalhar só aumenta quando lembra que depois das grades, uma nova vida a espera. “Vou viver minha vida. Eu não quero ir pro inferno, não, eu quero ir é pro céu. Violência gera violência”, pontua, certa de que, no Natal de 2020, ela estará trabalhando em outro cenário.
>Tia Neném ensina técnicas manuais no presídio feminino há mais de duas décadas