Casos como o do garoto de 3 anos, vítima detraumatismo craniano e encontrado morto em um flat de Fortaleza, no ano passado, ou do menino Bernardo Boldrini, 11 anos, que, após sofrer negligência familiar, foi assassinado com uma injeção letal, em Três Passos, no RioGrande do Sul, sendo o pai, a madrasta e uma amiga do casal os principais suspeitos, revelam um cenário alarmante quando o assunto é a violência contra crianças e adolescentes. As situações que chocam a sociedade são mais comuns do que se pode imaginar.
Na capital cearense, por exemplo, dados dos Conselhos Tutelares e Disque 100, divulgados pelo Centro de Referência Especializado em Assistência Social (Creas), apontam que de janeiro a março deste ano, 763 ocorrências foram registradas. São, em média, oito por dia e dizem respeito a violência física, sexual, psicológica, maus-tratos, negligência familiar e situações de riscos, como mendicância, ameaça de morte, exploração econômica e uso de drogas.
Para especialistas na área infanto-juvenil, nem sempre as agressões terminam em óbito, mas todas deixam marcas que nunca se apagam. Em 2013, somente denúncias relacionadas à negligência familiar somaram 776 registros, sendo 259 contra crianças de 0 a 11 anos.
A titular da Delegacia de Combate à Exploração da Criança e Adolescente (Dececa), Ivana Timbó, apesar da experiência no setor, não consegue disfarçar a indignação com casos de violênciacontra a população infanto-juvenil. A delegada analisa que o aumento das ocorrências é resultado do fortalecimento da rede de proteção à criança e adolescente. Porém, diz que os números não refletem a realidade. "Muita gente grita com o filho, bate, ameaça e fica por isso mesmo. Esses casos não costumam chegar aos órgãos competentes", alerta.
Limites
Ivana Timbó acrescenta que as pessoas estão perdendo a noção do perigo ao passar dos limites na educação dos filhos. "Primeiro, vem a palmada, depois a surra e depois a violência sem limites, chegando à lesão corporal seguida de morte. É necessário que o vizinho, o parente, o amigo não tenha medo de denunciar", orienta.
Na avaliação da psicóloga Selma Câmara, a violência é reflexo de que a sociedade perdeu a noção de limites claros para tudo, inclusive no trato com a população mais vulnerável, a infanto-juvenil. "Atualmente, não existe equilíbrio no diálogo e na ação. Se as primeiras tentativas não dão certo, o jeito, pensam os pais, é apelar para as palmadas, beliscões, chineladas, puxões de orelhas e o uso da força física, sem medir as consequências". Para ela, existe uma inversão de valores em que a vida humana é vista como banalidade.
A psicóloga destaca os episódios de mães e pais que esquecem os filhos dentro do carro ou os trancam dentro de casa, sozinhos, como forma de castigo ou para que não atrapalhem suas atividades. Para ela, essas atitudes podem ser ocasionadas pela pobreza, quando os pais não têm como prover alimentos e vestimentas aos filhos. Entretanto, ocorrem principalmente por causa da desestruturação da família. "Na maioria dos casos, não existe uma base familiar. Os casais se separam e, muitas vezes, os novos parceiros não aceitam os filhos do outro casamento, o que gera conflitos no lar", diz.
Efeitos traumáticos
Na visão da psicóloga e mestre em Violência Subjetiva Arminda Rodrigues, desespero; enclausuramento; medo; insegurança; sentimento de humilhação; insônia; medo de morrer; estado de choque e ansiedade estão entre os efeitos traumáticos provocados pela violência.
Entre as alternativas para diminuir a apologia à violência e incentivar a paz, ela sugere promover espaços de discussão com setores da sociedade que trabalham diretamente com as famílias, nas suas diversas formas de organização, na atualidade, sobre os resultados da pesquisa, ressaltando a importância dos laços familiares que possam sustentar referências de limite para o convívio social.
Negligência, explica a educadora social Janice Maria de Almeida, é quando o responsável se omite em promover as necessidades básicas para o desenvolvimento da criança ou do adolescente. "Se uma criança é deixada só, em casa, ela fica em situação de risco, podendo machucar-se", explica.