Haveria mesmo um abismo tão grande entre os valores de uma elite política corrupta e de um povo brasileiro honesto?
Como é possível que um país de gente honesta seja caracterizado justamente pela corrupção desenfreada? Esta é a pergunta que surge diante dos resultados da Pesquisa Nacional de Valores 2017, feita pelo instituto Datafolha a pedido da consultoria Crescimentum. Cerca de 2,4 mil brasileiros selecionaram as características que melhor as definem, as características que melhor definem o Brasil de hoje, e as características que, em sua opinião, definem como o país deveria ser. Quando os entrevistados tinham de falar de si mesmos, a “honestidade” ficou em terceiro lugar, atrás de “amizade” e “alegria” – resultado quase igual ao de pesquisa idêntica feita em 2010, ocasião em que “família” ocupava o segundo posto, atrás de “amizade”. Mas, na hora de definir a “cultura nacional atual”, a “corrupção” manteve o primeiro lugar.
Claro que são inúmeras as pessoas que se portam irretocavelmente em sua vida privada e que percebem a corrupção galopante em que o país vive. Mas que toda uma coletividade se enxergue dessa forma é um paradoxo que não escapou nem ao diretor da Crescimentum, Guilherme Marback, nem ao cientista social Eduardo Gianetti, que em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo apontaram a tendência de o brasileiro se dissociar daquilo que vê à sua volta – no caso, a corrupção – e ver os defeitos apenas no outro. Corruptos, por essa ótica, são os demais, aqueles encastelados nos três poderes, os protagonistas dos grandes escândalos, e são esses os que dão ao Brasil a péssima reputação de um país onde vigora a ladroagem.
Um equívoco a evitar, quando falamos das “pequenas corrupções”, é o de igualá-las às grandes roubalheiras
Mas haveria mesmo um abismo tão grande entre os valores de uma elite política corrupta e de um povo brasileiro honesto? Outras pesquisas têm mostrado resultados diferentes. Em dezembro de 2015, a empresa Flyfrog divulgou os resultados do estudo “Moral e ética: quais são os valores que norteiam os brasileiros?” – sua metodologia é radicalmente diferente da Pesquisa Nacional de Valores, mas podemos ver ambas como complementares. Os entrevistados foram apresentados a 34 frases e tiveram de ordená-las de acordo com a gravidade do comportamento descrito. Maiores pontuações indicavam maior condenação geral, e o “ponto de equilíbrio” era a nota 1: comportamentos com notas abaixo deste patamar já seriam socialmente aceitáveis. E entraram nessa classificação a traição a um parceiro (0,47) e o roubo de sinal de luz ou tevê a cabo por meio de “gatos” (0,86), além de furar fila (0,06), oferecer suborno (0,6) ou aceitá-lo (0,86).