-->

sábado, 9 de julho de 2016

Cunha pode ser o quarto deputado cassado em 10 anos


Mesmo após renunciar à presidência da Câmara, caso pelo menos 257 dos 513 deputados federais decidam por sua cassação, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) será o quarto a ter seu mandato cassado pela Casa em pouco mais de dez anos.

Cunha também foi o quarto presidente da Câmara a abdicar de seu cargo desde a redemocratização brasileira, em 1985. O primeiro foi Aécio Neves, em 2002. Hoje ele é senador pelo PSDB. Naquela época, ele abdicou para assumir o governo do Minas Gerais. Oito anos depois, foi a vez de Michel Temer, atual presidente da República em exercício, renunciar para concorrer à vice-presidência na chapa com Dilma Rousseff, vitoriosa naquele pleito.

Antes disso, em 2005, Severino Cavalcanti (PP-PE) deixou o cargo, envolvido em denúncias de corrupção, assim como o peemedebista. O episódio de onze anos atrás ficou conhecido como "mensalinho". Segundo denúncia feita contra Cavalcanti na ocasião, ele cobrava propina de R$ 10 mil a um empresário do ramo alimentício que atuava na Câmara. A estratégia de renunciar deu certo e ele escapou da cassação.

No caso de Cunha, o processo foi instaurado no Conselho de Ética no dia 3 de novembro do ano passado, sete meses depois de o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ter pedido ao Supremo Tribunal de Federal (STF) contra o peemedebista e outros 27 políticos.

Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobras, no dia 12 de março de 2015, Cunha negou ter contas no exterior, mas a declaração do deputado foi confrontada por informações enviadas ao Brasil por autoridades suíças, dando conta de quatro contas secretas do parlamentar naquele país.

Por conta do que disse Cunha à CPI e diante da evidência de que ele havia mentido à Comissão, foi instalado o processo de cassação do parlamentar, no dia 3 de novembro, do ano passado, quando foi escolhido como relator o deputado Fausto Pinato (PRB-SP), mas a partir de uma série de articulações do peemedebista, o relator foi destituído e substituído por Marcos Rogério (DEM-RO), no dia 9 de dezembro, que apresentou um parecer favorável à cassação do então presidente da Câmara, seis dias depois. O texto foi aprovado, mas no dia 2 de fevereiro deste ano, o vice-presidente anulou a sessão do Conselho de Ética.

No dia 2 de março, em nova votação, o colegiado decidiu dar continuidade ao processo contra Cunha, um dia antes do parlamentar se tornar réu no STF. Já no dia 5 de maio, em votação unânime, o Supremo suspendeu o mandato do peemedebista.

No dia 14 de junho, por 11 votos a favor e 9 contra, um parecer pedindo sua cassação foi aprovado no Conselho de Ética, mas ele recorreu e teve seu recurso relatado pelo aliado Ronaldo Fonseca (Pros-DF), que acolheu parte da argumentação de Cunha. O recurso seria votado na próxima segunda-feira (11), mas a sessão foi cancelada pelo presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Osmar Serraglio (PMDB-PR) e deve ficar para agosto. O adiamento dessa votação pode favorecê-lo.

Cunha também apresentou a inclusão de um pedido em seu recurso para que seu processo de cassação volte ao Conselho de Ética, justificando que o processo deve ser revisado, por ele não ser mais o presidente da Câmara. Caso essa argumentação seja acolhida, a votação pela cassação do mandato do peemedebista pode ser adiada ainda mais ou nem ocorrer.

Segundo o coordenador do Núcleo de Pesquisa Eleitoral e Política da Amazônia (Nupepa), Roberto Ramos, apesar do parlamentar estar mais enfraquecido politicamente, "o conhecimento que ele tem sobre a personalidade, as posturas e as eventuais irregularidades cometidas pelos seus pares, isso pode ajudá-lo a escapar da cassação".

Cassações e manobras

Entre 2006 e 2016, três deputados tiveram seus mandatos cassados: Pedro Corrêa (ex-PP), em 15 de março de 2006; Natan Donadon (ex-PR), em 12 de fevereiro de 2014; e André Vargas (ex-PT), em 10 de dezembro daquele mesmo ano.

Nesse mesmo período, outros dez deputados renunciaram tentando evitar a cassação e o ex-deputado Luiz Argôlo (SD-BA) teve processo de perda de mandato aprovado, no dia 28 de outubro de 2014, pelo Conselho de Ética. Por meio de manobras, contudo, ele escapou de ser cassado e teve seu processo extinto.

O deputado federal por Pernambuco, Pedro Corrêa, foi o último dos três parlamentares cassados por envolvimento no escândalo do Mensalão, esquema de corrupção, que envolvia pagamento de mensalidades a políticos em troca de apoio ao governo Lula, e que estourou um ano antes da perda de mandato do parlamentar.

Corrêa, que atualmente cumpre pena em Curitiba por desdobramentos da Operação Lava-Jato, teve seu processo de cassação instaurado no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados em 1º de setembro de 2005. No dia 15 de março de 2006, seis meses e 14 dias após a abertura da ação contra ele, o parlamentar perdeu seu mandato. Oito anos depois, outros dois deputados federais perderam seus respectivos mandatos parlamentares.

O primeiro deles foi o deputado por Rondônia, Natan Donadon, cassado em 12 de fevereiro de 2014. O processo que resultou no seu afastamento, instaurado em 11 de setembro de 2013, foi o segundo contra ele. O primeiro, que resultou em sua absolvição, aconteceu com votação fechada. A repercussão negativa junto à opinião pública levou o PSDB a impetrar uma ação junto ao STF solicitando a anulação da sessão na Câmara. O pedido foi aceito pelo ministro Luís Roberto Barroso em 2 de setembro de 2013 e a segunda votação foi aberta. Donadon havia sido condenado pelo mesmo STF, em 2010, a 13 anos, 4 meses e 10 dias de prisão em regime fechado, por peculato e formação de quadrilha. Donadon foi o primeiro deputado em exercício, desde a promulgação da Constituição de 1988, a ser preso por ordem do Supremo.

Já o processo de cassação contra o paranaense André Vargas, que era o de maior duração na Câmara até a última segunda-feira (4) quando foi superado pelo de Cunha, teve sua conclusão no dia 10 de dezembro de 2014. A instauração do processo no Conselho de Ética aconteceu oito meses e um dia antes, no dia 9 de abril daquele ano.

Ele foi acusado no contexto da Operação Lava-Jato, de ter ligação com esquemas fraudulentos que envolviam o doleiro Alberto Youssef. O ex-deputado teria intermediado negociações irregulares entre Youssef e o Ministério da Saúde, em valores que chegariam a R$ 1,1 milhão em propina, além de ter usado um jatinho do doleiro.

No Senado Federal, dois parlamentares foram cassados no decênio 2006-2016: Demóstenes Torres (ex-DEM)) e Delcídio do Amaral (ex-PT).

O goiano Demóstenes Torres perdeu seu mandato em 11 de julho de 2012, em um processo de cassação relativamente curto, com duração de dois meses e três dias.

O motivo de seu afastamento foi o envolvimento dele com o bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira (preso no último dia 30 de junho, na Operação Lava-Jato) , em um escândalo conhecido na época como a "máfia dos caça-níqueis".

Torres teve seu mandato cassado por 56 votos a favor, 19 contra e cinco abstenções.

Já o sul-mato-grossense Delcídio do Amaral foi cassado no dia 10 de maio deste ano.

Foram 74 votos a favor, nenhum contra, uma abstenção e cinco faltas. O processo de cassação iniciou no dia 17 de dezembro do ano passado.

Vinte e dois dias antes, ele havia sido preso pela Polícia Federal, também no contexto da Lava-Jato, após o vazamento de uma gravação feita por Bernardo Cerveró, filho do ex-diretor da área internacional da Petrobras, Nestor Cerveró.

No áudio, Delcídio oferecia ajuda ao ex-executivo para uma eventual fuga, caso ele não fizesse delação premiada implicando o governo da presidente afastada Dilma Roussef em esquema de corrupção na estatal. Posteriormente, no dia 3 de março, foi noticiado pela imprensa nacional que o próprio então senador fez um acordo de delação premiada, onde acusou a petista e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de tentarem obstruir as investigações da Operação Lava-Jato.

De acordo com o professor da Universidade Federal de Roraima, Roberto Ramos, o fato de, desde 2006, apenas cinco parlamentares terem sido cassados (enquanto o dobro desse número ter renunciado para escapar da cassação) é reflexo de "um grau de elitismo que permeia a cultura política brasileira. Isso reflete, muitas vezes, as interações dessa elite, em todos os níveis. Essa classe mais privilegiada, nas suas relações, inibe a aplicação da lei encontrando brechas jurídicas para se manter no poder".

Cassações

Processos ocorridos entre os anos de 2006 e 2016*

Deputados federais

1º Eduardo Cunha

Abertura: 3 de novembro de 2015

Duração: Oito meses e seis dias**

2º André Vargas

Abertura: 9 de abril de 2014

Duração: Oito meses e um dia

3º Pedro Corrêa

Abertura: 1º de novembro de 2005

Duração: Seis meses e 14 dias

Natan Donadon

Abertura: 11 de setembro de 2013

Duração: Cinco meses e um dia

Senadores

1º Delcídio do Amaral

Abertura: 17 de dezembro de 2015

Duração: Quatro meses e 23 dias

2º Demóstenes Torres

Abertura: 9 de maio de 2012

Duração: Dois meses e dois dias

*Do mais longo para o mais curto

**Tempo decorrido até este sábado

Diário do Nordeste